STJ – Não há prazo determinado para ajuizamento de ação coletiva de consumo, decide Terceira Turma
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por
unanimidade, que a ação coletiva de consumo não se sujeita ao
prazo prescricional de cinco anos fixado na Lei 4.717/1965. Para o
colegiado, não há prazo para o exercício do direito subjetivo
público e abstrato de agir relacionado ao ajuizamento desse tipo de
ação, o que afasta a aplicação analógica do artigo 21 da Lei da
Ação Popular.
A
relatora do caso julgado, ministra Nancy Andrighi, explicou que o
exame da questão demanda a distinção conceitual entre os
institutos do direito subjetivo, da pretensão e do direito de ação,
esclarecendo que a prescrição se relaciona ao exercício da
pretensão, e não ao direito público subjetivo e processual de agir
– que, por ser abstrato, não se submete às consequências da
inércia e da passagem do tempo nos mesmos moldes da pretensão.
A
ministra afirmou que o direito público subjetivo e processual de
ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser
sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um
determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que
ausente o direito material.
Propaganda
enganosa
O
Ministério Público de Pernambuco ajuizou ação coletiva de consumo
para questionar a venda de suplemento alimentar sem registro na
Anvisa e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto
ser apresentado ao público consumidor como se possuísse
propriedades medicinais.
A
sentença, confirmada em segunda instância, condenou o laboratório
a não mais ofertar suplementos alimentares sem autorização da
Anvisa, não mais realizar publicidade enganosa ou abusiva, compensar
danos morais coletivos – no valor de R$ 100 mil – e reparar os
danos morais e materiais experimentados individualmente pelos
consumidores, conforme apuração em liquidação de sentença.
No
STJ, o recorrente alegou que a denúncia ocorreu em 2003, e a ação
coletiva somente foi ajuizada em 2009, mais de cinco anos após a
configuração da lesão, o que levaria à prescrição da ação
coletiva.
Direito
imperecível
A
relatora disse que o direito de agir é fruto do monopólio estatal
do uso da força legítima e da vedação da autotutela, e representa
a provocação ao Estado para que, por meio do Poder Judiciário,
saia de sua imobilidade e se manifeste sobre o direito aplicável à
relação jurídica deduzida em juízo.
"O
direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é
imperecível, de forma que o máximo que pode ocorrer é a
impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por
meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do
tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a
preclusão, a qual, todavia, por si só, não impossibilita o uso
abstrato da específica ação ou procedimento", afirmou.
Jurisprudência
Nancy
Andrighi explicou que, embora a jurisprudência do STJ aplique por
analogia o prazo de cinco anos do artigo 21 da Lei da Ação Popular
para a ação coletiva de consumo, por não existir na Lei da Ação
Civil Pública prazo expresso para o exercício dessa modalidade de
direito subjetivo público, o emprego da analogia é indevido, em
razão da disparidade de objetos e causas de pedir de cada uma dessas
ações.
Para
Nancy Andrighi, a Lei 4.717/1965 dispõe expressamente em seu artigo
1º que o objetivo da ação popular é a anulação ou a declaração
de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público em sentido amplo,
constatado a partir dos vícios enumerados no artigo 2º.
Já
as ações coletivas de consumo atendem a um espectro de prestações
de direito material muito mais amplo, podendo não só anular ou
declarar a nulidade de atos, como também determinar outras
providências capazes de propiciar a adequada tutela dos
consumidores, nos termos do artigo 83 do Código de Defesa do
Consumidor.
Economia
processual
"É,
assim, necessária a superação (overruling) da atual orientação
jurisprudencial desta corte, pois não há razão para se limitar o
uso da ação coletiva ou desse especial procedimento coletivo de
enfrentamento de interesses individuais homogêneos, coletivos em
sentido estrito e difusos, sobretudo porque o escopo desse
instrumento processual é o tratamento isonômico e concentrado de
lides de massa relacionadas a questões de direito material que
afetem uma coletividade de consumidores, tendo como resultado
imediato beneficiar a economia processual", afirmou a relatora.
De
acordo com a ministra, "submeter a ação coletiva de consumo a
prazo determinado tem como única consequência impor aos
consumidores os pesados ônus do ajuizamento de ações individuais,
em prejuízo da razoável duração do processo e da primazia do
julgamento de mérito, princípios expressamente previstos no atual
Código de Processo Civil em seus artigos 4º e 6º, respectivamente,
além de prejudicar a isonomia, ante a possibilidade de julgamentos
discrepantes".
Termo
inicial
Segundo
Nancy Andrighi, mesmo que houvesse previsão legal de prazo para o
ajuizamento de ações coletivas de consumo, o direito discutido no
caso concreto não teria sido fulminado pela passagem do tempo.
Ela
explicou que, pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a
prescrição começa a ser contada com a violação do direito, assim
que a prestação se tornar exigível. Por outro lado, segundo a
vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional
exige a efetiva inércia do titular do direito.
A
relatora destacou que a jurisprudência do tribunal entende que a
aplicação da actio nata sob a vertente subjetiva é excepcional,
cabível apenas nos ilícitos extracontratuais, como no caso em
exame.
Ao
manter o acórdão do TJPE, a ministra observou que, por se tratar de
ilícito extracontratual, o prazo prescricional somente deve ser
contado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da
lesão.
Nancy
Andrighi destacou que o TJPE concluiu que somente ao final do
inquérito civil o Ministério Público se convenceu da natureza
enganosa da publicidade, devendo ser esse o marco inicial de contagem
do prazo, nos termos da teoria subjetiva da actio nata. Para a
ministra, portanto, rever esse posicionamento demandaria o reexame de
fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
Leia
o acórdão