sexta-feira, 7 de agosto de 2020

STF reconhece tempo de cursos de pós-graduação como atividade jurídica

 STF reconhece tempo de cursos de pós-graduação como atividade jurídica

Para a maioria dos ministros, a contagem desse tempo não quebra o princípio da isonomia nos concursos públicos.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a contagem do tempo dos cursos de pós-graduação para comprovação de atividade jurídica em concursos para a magistratura e o Ministério Público. Na sessão virtual encerrada em 4/8, o Plenário, por maioria de votos, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4219, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A OAB questionava a validade do artigo 3º da Resolução 11/2006 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o parágrafo único do artigo 1º da Resolução 29/2008 do Conselho Nacional do MP (CNMP). Em relação à resolução do CNJ, o Plenário julgou a ação prejudicada, pois a norma foi revogada por outra. A decisão foi unânime, nos termos do voto da relatora, ministra Cármen Lúcia.

Quanto à resolução do CNMP, prevaleceu o voto divergente do ministro Edson Fachin, que considerou válida a contagem do tempo dos cursos de pós-graduação para efeitos de cumprimento da exigência de três anos de prática de atividade jurídica. O prazo está previsto nos artigos 93, inciso I, e 129, parágrafo 3º, da Constituição Federal, instituído pela Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45/2004).

Indissociáveis

Para o ministro Fachin, teoria e prática do saber estão interligados e devem ser conduzidos de forma indissociada, "sem que exista, entre eles, uma relação de hierarquia para os fins buscados pela norma". Assim, um candidato a concurso que tenha concluído sua pós-graduação com sucesso "terá adquirido um conhecimento que extrapola os limites curriculares da graduação em Direito".

Segundo Edson Fachin, a teoria está necessariamente ligada a um conjunto de práticas que se combinam. "Superou-se a imagem de uma prática desprovida de pré-compreensões e de pressupostos: toda prática herda um conjunto de saberes teóricos que a tornam inteligível", afirmou.

No seu entendimento, não há, no caso, comprometimento do princípio da isonomia nos concursos públicos. "A obtenção dos títulos decorrente da formação continuada tende, em verdade, a privilegiar uma visão mais ampla da formação dos integrantes das variadas carreiras jurídicas", disse Fachin. “Essa visão promove o alargamento das competências classicamente associadas a essas profissões".

Vencidos

Ficaram parcialmente vencidos a relatora, ministra Cármen Lúcia, o ministro Ricardo Lewandowski e a ministra Rosa Weber, que julgavam procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos da resolução do CNMP. Também ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, que julgavam improcedente o pedido.

Para a relatora, a consideração dos cursos como atividade jurídica resulta em vantagem para os candidatos que cumpriram o triênio estipulado com a Emenda Constitucional 45/2004 apenas na conclusão dos estudos. "Outros candidatos, dedicados, por exemplo, à advocacia, ingressarão no concurso com pontuação menor e, portanto, com chance reduzida de nomeação", ponderou.
A ministra considera, assim, que a norma fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, pressupostos básicos do concurso público.

AR/CR//CF

Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=449106&ori=1>. Acesso em 07.08.2020.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Empresa pagará salários a empregado considerado inapto após alta previdenciária - LIMBO JURÍDICO

Empresa pagará salários a empregado considerado inapto após alta previdenciária
TST - Não foi comprovada a recusa do empregado de voltar ao trabalho.
21/07/20 - A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da Geraldo Unimar Transportes Ltda., de Vitória (ES), contra decisão que a condenou ao pagamento dos salários de um motorista que, após receber alta da Previdência Social, foi considerado inapto para retornar a suas funções e não foi reintegrado. Segundo a Turma, a decisão está de acordo com a jurisprudência do TST sobre a matéria.

Inaptidão

O motorista narrou, na reclamação trabalhista, que ficara afastado por auxílio previdenciário por cerca de cinco anos, em razão de problemas de saúde. Após receber alta do INSS e se apresentar para trabalhar, a empresa impediu seu retorno, com a alegação de que o exame médico realizado teria atestado sua inaptidão para o trabalho. Ainda de acordo com seu relato, após várias tentativas de voltar a trabalhar, foi dispensado. Ele pedia o reconhecimento da rescisão indireta do contrato (por falta grave da empregadora) e o pagamento dos salários desde a alta previdenciária até seu afastamento, além de indenização por dano moral.
A empresa, em sua defesa, sustentou que não era responsável pela situação em que se encontrava o trabalhador. Afirmou que, após a alta, ofereceu a função de porteiro, mas ele teria alegado que, por ainda estar em tratamento e em uso de medicação controlada, estaria incapacitado para exercer qualquer função. 

Comprovação

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) condenou a empresa ao pagamento dos salários referentes ao período de afastamento até a data da rescisão indireta do contrato de trabalho e fixou a reparação por danos morais em R$ 3 mil. Segundo o TRT, a transportadora não havia comprovado a sua versão sobre a recusa do motorista de voltar ao trabalho. Com isso, presumiu que teria negado o retorno e incorrido em falta grave, devendo ser reconhecida, portanto, a rescisão indireta. 

Limbo

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Walmir Oliveira da Costa, destacou que, de acordo com a jurisprudência do TST, é do empregador a responsabilidade pelo pagamento dos salários do empregado a partir da alta previdenciária, ainda que ele seja considerado inapto pela junta médica da empresa, pois, com a cessação do benefício previdenciário, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos. Assim, o TRT, ao concluir que a empresa não poderia ter deixado o empregado em um “limbo jurídico-trabalhista-previdenciário”, decidiu em consonância com o entendimento do TST.
A decisão foi unânime.
 
(DA/CF)

O TST possui oito Turmas, cada uma composta de três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).
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sábado, 27 de junho de 2020

STJ - Contagem de tempo de trabalho infantil para efeito previdenciário não deve ter idade mínima, afirma Primeira Turma

Contagem de tempo de trabalho infantil para efeito previdenciário não deve ter idade mínima, afirma Primeira Turma - STJ


​​Embora a legislação brasileira proíba o trabalho infantil, desconsiderar a atividade profissional exercida antes dos 12 anos resultaria em punição dupla ao trabalhador – que teve a infância sacrificada pelo trabalho e, no momento da aposentadoria, não poderia aproveitar esse tempo no cálculo do benefício.

O entendimento foi reafirmado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que, apesar de reconhecer que um segurado exerceu trabalho rural na infância, entendeu que só seria possível admitir esse tempo de atividade para efeitos de aposentadoria a partir dos 14 anos. O TRF3 levou em consideração que as Constituições de 1946 e 1967 – vigentes à época dos fatos, ocorridos entre as décadas de 1960 e 1970 – já proibiam o trabalho infantil.

"Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor, o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores", afirmou o relator do recurso especial, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Sem idade mín​​​ima

Em seu voto, o ministro Napoleão destacou jurisprudência o STJ no sentido de que a proibição legal do trabalho infantil tem o objetivo de proteger as crianças, constituindo benefício aos menores, e não prejuízo para aqueles que foram obrigados a trabalhar durante a infância.

O relator também lembrou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar ação civil pública sobre o tema, concluiu ser possível o cômputo do período de trabalho realizado antes dos 12 anos. Na hipótese julgada pelo TRF4 – explicou o ministro –, não foi adotado um requisito etário, tendo em vista que a fixação de uma idade mínima poderia prejudicar indevidamente o trabalhador.

"A rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos, e não em um limite mínimo de idade abstratamente preestabelecido", apontou o ministro.

Chaga soc​​​​ial

Segundo Napoleão Nunes Maia Filho, não se pode entender como chancela ao trabalho infantil a decisão judicial que reconhece os efeitos previdenciários do exercício laboral "oriundo desta odiosa prática que ainda persiste como chaga na nossa sociedade", pois o que fundamenta esse reconhecimento é exatamente o compromisso de proteção às crianças e aos adolescentes.

Ao votar pelo provimento do recurso do segurado, o relator afirmou que o tempo de trabalho rural deve ser reconhecido sem limitação de idade mínima, "a fim de conferir a máxima proteção às crianças, atendendo ao viés protetivo das normas previdenciárias".

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

AREsp 956558

Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Contagem-de-tempo-de-trabalho-infantil-para-efeito-previdenciario-nao-deve-ter-idade-minima--afirma-Primeira-Turma.aspx>

terça-feira, 9 de junho de 2020

TST - Mantida condenação de destilaria que descumpriu cota de aprendizagem

Mantida condenação de destilaria que descumpriu cota de aprendizagem

A empresa pagará R$ 300 mil por dano moral coletivo.
8/6/2020 - A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da Destilaria de Álcool Libra Ltda., de São José do Rio Claro (MT), contra a condenação ao pagamento de R$ 300 mil por ter descumprido a exigência legal de empregar aprendizes em 5% do total de postos de trabalho. Por maioria, o colegiado entendeu que ficou caracterizado o dano moral coletivo.
Caso
O caso teve início em ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em junho de 2011, para que a empresa cumprisse a cota de aprendizes, conforme determina o artigo 429 da CLT. Segundo apurado pelo MPT, no momento da fiscalização pelo extinto Ministério do Trabalho, a Libra não tinha nenhum aprendiz. Com total de 1.300 empregados, a empresa deveria, de acordo com o Ministério Público, contratar 65 aprendizes no mínimo. 
Defesa
Na época, a empresa declarou que o auto de infração lavrado tomou por base a totalidade de 1.300 trabalhadores, “sem excluir, entretanto, as funções que não demandam formação profissional na fixação da base de cálculo”. Na versão da Libra, em vez dos 65 aprendizes, seriam necessários 33 para cumprir a legislação. 
Conduta antijurídica
Em novembro de 2012, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT) decidiu que não houve dano moral coletivo, mas a Terceira Turma do TST reformou a decisão e condenou a destilaria, em fevereiro de 2018, ao pagamento de indenização de R$ 300 mil, ao julgar recurso do MPT. A Turma considerou antijurídica a conduta da Libra ao deixar de observar a legislação trabalhista relativa à contratação de aprendizes.
Presunção de lesão
Nos embargos à SDI-1, a Libra contestou a condenação e classificou como “exorbitante” o valor fixado para a indenização. Para reforçar o pedido de diminuição do valor, anexou comprovante de que estava em recuperação judicial. Argumentou, ainda, que o dano moral coletivo pressupõe a prática de ilícito causador de repulsa social e que seria preciso demonstrar a relação entre a sua conduta e a lesão à coletividade. Para a empresa, a condenação ocorreu com base em presunção de lesão. 
Função social
O relator dos embargos, ministro Vieira de Mello Filho, enfatizou que não é necessário comprovar a repercussão de eventual violação na consciência coletiva do grupo social, “já ofendido moralmente a partir do fato objetivo da violação da ordem jurídica”. Segundo o ministro, o desrespeito à norma de tal natureza, que reserva cotas aos aprendizes, alcança, potencialmente, todos os trabalhadores sem experiência profissional situados na mesma localidade do estabelecimento comercial, que poderiam ser contratados pela empresa. 
Ainda, segundo o relator, ao deixar de cumprir a cota, a usina descumpriu também sua obrigação de promover a inclusão dessas pessoas e, portanto, sua função social. “É o que basta para que se caracterize o dano moral coletivo”, concluiu.
O valor da condenação será revertido para instituições e projetos ligados ao trabalho. Ficaram vencidos os ministros Maria Cristina Peduzzi, Márcio Amaro e Alexandre Ramos.
(RR/CF)
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, composta por quatorze ministros, é o órgão revisor das decisões das Turmas e unificador da jurisprudência do TST. O quórum mínimo é de oito ministros para o julgamento de agravos, agravos regimentais e recursos de embargos contra decisões divergentes das Turmas ou destas que divirjam de entendimento da Seção de Dissídios Individuais, de Orientação Jurisprudencial ou de Súmula.
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quinta-feira, 4 de junho de 2020

STF - Trabalhadores portuários avulsos também têm direito a adicional de risco

Trabalhadores portuários avulsos também têm direito a adicional de risco

Por maioria, os ministros entenderam que a lei que prevê o pagamento da parcela aos trabalhadores com vínculo de emprego se aplica a todos os que atuam nas mesmas condições.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (3) que o adicional de risco concedido aos trabalhadores portuários permanentes também será devido aos avulsos que trabalhem nas mesmas condições. Por maioria, a Corte acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, pelo desprovimento do Recurso Extraordinário (RE) 597124, com repercussão geral reconhecida (Tema 222).
No recurso, o Órgão de Gestão de Mão de Obra do Serviço Portuário Avulso do Porto Organizado de Paranaguá e Antonina (Ogmo-PR) contestava decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que havia garantido aos trabalhadores avulsos o pagamento do adicional de 40% previsto no artigo 14 da Lei 4.860/1965, que dispõe sobre o regime de trabalho nos portos.
Princípio da igualdade
Em novembro de 2018, quando o julgamento foi iniciado, o ministro Edson Fachin observou que a Constituição Federal (artigo 7º, inciso XXXIV) prevê expressamente a igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo empregatício permanente e avulsos. De acordo com Fachin, uma leitura adequada da legislação que rege o setor (principalmente as Leis 4.860/1965 e 12.815/2013) à luz da Constituição Federal demonstra que o fato de os trabalhadores avulsos se sujeitarem a um regime diferenciado não pode ser usado como excludente do direito ao adicional. Na ocasião, votaram no mesmo sentido os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Na sessão de hoje, o ministro Celso de Mello uniu-se à maioria formada e acompanhou integralmente o voto do relator, por entender que a Lei 4.860/1965 protege as duas categorias. De acordo com o decano, a confirmação do reconhecimento do direito ao adicional também aos trabalhadores avulsos privilegia o princípio constitucional da isonomia. “Se o adicional é devido a um, também deve ser pago ao outro que trabalha nas mesmas condições”, afirmou.
Circunstâncias distintas
O ministro Marco Aurélio foi o único a apresentar voto divergente. Segundo ele, circunstâncias distintas não podem ser igualadas, pois os dispositivos da norma se aplicam somente às relações jurídicas titularizadas pelos empregados que pertencem à administração dos portos organizados, e não aos trabalhadores dos terminais privativos, regidos por normas de direito privado. Para o ministro, a Constituição Federal não assegura, por si só, o adicional de risco aos trabalhadores avulsos.
A ministra Rosa Weber estava impedida.
Tese de repercussão geral
Foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral: “Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de risco é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso”.

domingo, 26 de abril de 2020

Caso fortuito, força maior e os limites da responsabilização - STJ

Caso fortuito, força maior e os limites da responsabilização - segundo STJ


Roubo no estacionamento da loja, desabamento do teto do shopping, assalto na fila do drive-thru, tiroteio envolvendo seguranças particulares...  Fatos como esses alteram a rotina dos locais em que ocorrem e surpreendem o consumidor, mas nem sempre poderão ser enquadrados na categoria de caso fortuito ou de força maior. Para a Justiça, a caracterização do evento é muito relevante, pois a partir dessa definição é que se estabelecem os limites da responsabilização civil das empresas e as possíveis indenizações.
artigo 393 do Código Civil estabelece que se pode considerar caso fortuito ou força maior  uma ocorrência de efeitos inevitáveis.
A seguir, alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que os pedidos de indenização foram analisados à luz dos argumentos de ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Risco da ativi​dade

Segundo o ministro do STJ Luis Felipe Salomão, o caso fortuito e a força maior têm sido entendidos atualmente pela jurisprudência como espécies do gênero fortuito externo, no qual se enquadra a culpa exclusiva de terceiros. Para o ministro, nesse gênero, o fato tem de ser imprevisível e inevitável, estranho à organização da empresa.
Ainda de acordo com Salomão, o gênero fortuito interno, "apesar de também ser imprevisível e inevitável, relaciona-se aos riscos da atividade, inserindo-se na estrutura do negócio" (REsp 1.450.434).
O ministro explicou que a doutrina, ao destacar essa distinção entre o caso fortuito interno e o caso fortuito externo, entende que apenas quando se tratar da segunda hipótese (fortuito externo) haverá excludente de responsabilidade.
Ao julgar casos sobre esse tema, a orientação jurisprudencial do STJ, segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, firmou-se no sentido de que é dever do estabelecimento comercial zelar pela segurança de seu ambiente (REsp 1.732.398).
Por isso – acrescentou Bellizze –, não é possível alegar caso fortuito ou força maior para afastar a responsabilidade civil decorrente de atos violentos praticados no interior de dependências comerciais, inclusive no estacionamento.

Ass​​alto

No entanto, quando o estacionamento está situado em área aberta, gratuita e de livre acesso, representando mera comodidade para o consumidor, o estabelecimento comercial não pode ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de assalto à mão armada ocorrido ali.
Para a Segunda Seção do STJ, em tais situações, o roubo é fato de terceiro que exclui a responsabilidade da empresa, por se tratar de fortuito externo. Com esse entendimento, o colegiado pacificou o tema no tribunal.
No caso analisado no EREsp 1.431.606, a moto e os pertences pessoais de um consumidor foram roubados no estacionamento gratuito, aberto e de livre acesso de uma lanchonete. Ele buscou ser indenizado pelo prejuízo, mas o pedido foi rejeitado.
Para a relatora, ministra Isabel Gallotti, como o roubo ocorreu em área aberta, sem controle de acesso, não é possível responsabilizar a lanchonete.
"Nos casos em que o estacionamento representa mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos, o estabelecimento comercial não pode ser responsabilizado por roubo à mão armada – fato de terceiro que exclui a responsabilidade, por se tratar de fortuito externo", afirmou.

Expectativa de seguran​​​ça

Por outro lado, a ministra Isabel Gallotti ressaltou que o STJ tem conferido interpretação extensiva à Súmula 130, entendendo que estabelecimentos como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento à clientela – ainda que gratuito –, respondem pelos danos sofridos pelos consumidores em razão de crimes praticados nesses locais.
Segundo a ministra, nos grandes hipermercados e shoppings, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço, a responsabilidade é atribuída a esses estabelecimentos em razão da aplicação da teoria risco-proveito, pois se valem da legítima expectativa de segurança do cliente para obter benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, assumindo, assim, o dever de lealdade e segurança.

Furto de c​​arteira

Ao tratar de outro caso envolvendo a responsabilidade de grandes estabelecimentos comerciais, no julgamento do AgRg no REsp 1.487.443, o ministro Moura Ribeiro entendeu que o shopping deve responder civilmente na hipótese de furto de carteira ocorrido nas dependências de uma de suas lojas.
"A responsabilidade civil do shopping center no caso de danos causados à integridade física dos consumidores ou aos seus bens não pode ser afastada sob a alegação de caso fortuito ou força maior, pois a prestação de segurança devida por esse tipo de estabelecimento é inerente à atividade comercial exercida por ele", afirmou.

Drive-th​ru 

A rede de fast-food McDonald's foi responsabilizada pelos danos sofridos por um consumidor que sofreu assalto à mão armada no momento em que comprava produtos no drive-thru da lanchonete.
O relator do caso (REsp 1.450.434), ministro Luis Felipe Salomão, observou que a falha do serviço ficou configurada no processo; assim, não seria razoável afastar a responsabilidade do fornecedor.
Salomão destacou que o roubo com uso de arma de fogo pode ser considerado fato de terceiro equiparável a força maior, apto a excluir, como regra, o dever de indenizar, por ser evento "inevitável e irresistível, acarretando uma impossibilidade quase absoluta de não ocorrência do dano".
Porém, o relator assinalou que, em diversas situações, o STJ tem reconhecido a obrigação de indenizar, a exemplo de delitos no âmbito das atividades bancárias, em estacionamentos pagos ou mesmo em estacionamentos gratuitos de shoppings e hipermercados.
Ele apontou que a rede de lanchonetes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru aos seus clientes, acabou atraindo para si a obrigação de indenizá-los por eventuais danos sofridos, pois assim como ocorre nos assaltos em estacionamentos de grandes estabelecimentos, em troca dos ganhos financeiros indiretos gerados pelo conforto oferecido aos consumidores, o McDonald's assumiu o dever de lealdade e segurança implícito a qualquer relação contratual.
Ao agregar a forma de venda pelo drive-thru aos seus serviços – explicou o ministro –, a lanchonete incrementou o risco da atividade, "notadamente por instigar os consumidores a efetuar o consumo de seus produtos de dentro do veículo, em área contígua ao estabelecimento, deixando-os, por outro lado, mais expostos e vulneráveis a intercorrências como a dos autos".
"Tenho que o serviço disponibilizado foi inadequado e ineficiente, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, mas sim fortuito interno, porquanto incidente na proteção dos riscos esperados da atividade empresarial desenvolvida e na frustração da legítima expectativa de segurança do consumidor médio, concretizando-se o nexo de imputação na frustração da confiança a que fora induzido o cliente", concluiu o ministro.

Temp​​estade

Para o STJ, chuvas e ventos fortes não são eventos capazes de caracterizar força maior ou caso fortuito para eximir um shopping center da obrigação de indenizar clientes atingidos pelo desabamento do teto.
O entendimento foi firmado pela Terceira Turma ao dar provimento ao recurso de uma consumidora (REsp 1.764.439) que pediu o pagamento de indenização após ser atingida pelo desabamento, ocorrido durante uma tempestade.
Em primeira e segunda instâncias, o pedido de indenização foi negado sob o argumento de que o acidente se deveu a força maior ou caso fortuito – fortes chuvas e ventania que atingiram São Paulo naquele dia.
No entanto, para a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, a ocorrência de chuvas, mesmo fortes, está dentro da margem de previsibilidade em uma cidade como São Paulo.
"Indubitavelmente, um consumidor que está no interior de uma loja, em um shopping center, não imagina que o teto irá desabar sobre si, ainda que haja uma forte tempestade no exterior do empreendimento; afinal, a estrutura do estabelecimento deve – sempre, em qualquer época do ano – ser hábil a suportar rajadas de vento e fortes chuvas", afirmou a relatora, acrescentando que chuvas são mais previsíveis do que um assalto dentro do estabelecimento.
Ao decidir pela indenização para a consumidora, Nancy Andrighi aplicou ao caso as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo defeito na prestação do serviço, "sendo prescindível, portanto, a demonstração da ocorrência de culpa".

Tirot​​eio

Ao afastar a caracterização de fortuito externo, a Terceira Turma reconheceu a responsabilidade solidária de quatro empresas em um tiroteio entre seguranças particulares e bandidos que deixou uma estudante tetraplégica (REsp 1.732.398).
O caso aconteceu em 1998. A vítima, de apenas 12 anos, voltava da escola quando foi atingida por uma bala perdida. O tiro veio de uma troca de disparos entre seguranças particulares contratados pelas empresas do comércio local e criminosos que tentavam assaltar uma joalheria.
"A causa adequada à produção do dano não foi o assalto, que poderia ter se desenvolvido sem acarretar nenhum dano a terceiros, mas a deflagração do tiroteio em via pública pelos prepostos dos réus, colocando pessoas comuns em situação de grande risco, o que afasta a caracterização de fortuito externo", afirmou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.
O valor da indenização à estudante foi fixado em R$ 450 mil, a título de danos morais, e R$ 450 mil pelos danos materiais, além de pensão vitalícia de um salário mínimo.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1450434REsp 1732398EREsp 1431606REsp 1487443REsp 1764439

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Turma TST reconhece legitimidade do MPT para propor ação contra firmas de advocacia

TST - Turma reconhece legitimidade do MPT para propor ação contra firmas de advocacia

A ação foi proposta para que as firmas assinassem as CTPS dos profissionais.
15/4/2020 - A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade do Ministério Público do Trabalho (MPT) para ajuizar ação civil pública (ACP) contra três firmas de advocacia de Campo Grande (MS). Acusadas de não assinar a carteira dos profissionais, as empresas contestavam a legitimidade do órgão para propor a ação. Todavia, o colegiado assegurou a competência do órgão por entender se tratar de defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis dos trabalhadores.
Ação Civil Pública
O MPT pediu ao juiz, na ação civil pública, que fosse declarada a existência do grupo econômico formado pelas três firmas. O objetivo era exigir que as empresas efetuassem o registro de seus trabalhadores e formalizassem os contratos pretéritos de empregados do setor administrativo, bacharéis e advogados. O MPT requereu também que as firmas não contratassem novos advogados e pediu a condenação em danos morais coletivos de R$ 5 milhões, de forma solidária entre as empresas.
Direito individual 
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) declararam a ilegitimidade do MPT para propor a ação. Segundo o Regional, que extinguiu o processo sem o julgamento do mérito (sem analisar as alegações do MPT), trata-se de direito heterogêneo. Nesse sentido, segundo o órgão, depende de prova individual de cada trabalhador quanto ao início da prestação de serviços e ao reconhecimento dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego.
 
Origem comum
Na avaliação do relator do recurso de revista do Ministério Público, ministro Breno Medeiros, o órgão detém, sim, legitimidade para ajuizar a ação, pois se trata de buscar o reconhecimento de direito decorrente de origem comum diante da acusação de fraude na contratação de trabalhadores sem carteira assinada, quando presentes os requisitos da relação de emprego. O relator lembrou ainda que a defesa de interesses individuais homogêneos se baseia na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição).  
Com a decisão, o processo retornará para o Regional para novo julgamento.
(LT/RR)

STF aprova súmula vinculante sobre imunidade tributária para livros eletrônicos!

STF aprova súmula vinculante sobre imunidade tributária para livros eletrônicos

A nova súmula, aprovada em sessão virtual, segue o entendimento firmado pelo STF em dois recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida.
Em decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, em sessão virtual, a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 132, formulada pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), para fixar que a imunidade tributária dada pela Constituição Federal a papel, jornais, livros e periódicos se aplica também a livros digitais e seus componentes importados.
A proposta da Brasscom teve por base a jurisprudência consolidada do STF no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) 330817 (Tema 593)  e 595676 (Tema 259), com repercussão geral, em março de 2017. Na ocasião, o Plenário entendeu que, nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal, estão isentos de imposto livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão e que essa imunidade deve abranger os livros eletrônicos, os suportes exclusivos para leitura e armazenamento e os componentes eletrônicos que acompanhem material didático.
A redação aprovada para a Súmula Vinculante 57, nos termos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, presidente do STF, foi a seguinte:
"A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias".
AR/AS//CF

quarta-feira, 15 de abril de 2020

STJ - Terceira Turma aplica modulação de efeitos e reconhece direito à indenização securitária em caso de suicídio!!!

Terceira Turma aplica modulação de efeitos e reconhece direito à indenização securitária em caso de suicídio
STJ - DECISÃO
15/04/2020 08:45
Ao modular os efeitos de alteração jurisprudencial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma viúva para determinar o pagamento de seguro de vida contratado por seu marido – que se suicidou antes de decorridos dois anos da contratação –, aplicando entendimento vigente à época dos fatos.
O recurso teve origem em ação ajuizada pela viúva, em 2012, para pleitear a indenização após a negativa de pagamento pela seguradora, a qual invocou o artigo 798 do Código Civil.
Em 2014, o juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente, com base no entendimento então vigente no STJ (Súmula 61), que refletia a posição do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria (Súmula 105). A jurisprudência era no sentido de que o fato de o suicídio ter ocorrido nos dois primeiros anos do contrato de seguro, por si só, não eximia a seguradora do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca de que o segurado suicida contratou o seguro de forma premeditada.

Novo enten​​dimento

Em 2015, o STJ mudou de posição e passou a entender que o suicídio não é coberto pelo seguro se ocorre nos dois anos iniciais do contrato, como estabelece literalmente o artigo 798. Com isso, o Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento à apelação interposta pela seguradora. O novo entendimento do STJ deu origem à Súmula 610, editada em 2018 pela Segunda Seção.
Com fundamento na doutrina da superação prospectiva da jurisprudência – também chamada de modulação dos efeitos –, a viúva pediu, no recurso ao STJ, que fosse aplicado ao seu caso o entendimento anterior, uma vez que os fatos e a sentença antecederam a mudança jurisprudencial.

Para o fut​​uro

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que essa teoria é invocada nas hipóteses em que há alteração da jurisprudência consolidada dos tribunais. Segundo ela, "quando essa superação é motivada pela mudança social, é recomendável que os efeitos sejam para o futuro apenas – isto é, prospectivos –, a fim de resguardar expectativas legítimas daqueles que confiaram no direito então reconhecido como obsoleto".
Para a ministra, é com fundamento na confiança legítima e no interesse social que o artigo 927, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão ou de regime de transição para a adoção da nova tese jurídica.
A modulação de efeitos, porém, segundo ela, "deve ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, o exigir o interesse social envolvido".

Alteração traum​​ática

No caso sob análise, a ministra considerou que "é inegável a ocorrência de traumática alteração de entendimento desta Corte Superior, o que não pode ocasionar prejuízos para a recorrente, cuja demanda já havia sido julgada procedente em primeiro grau de jurisdição de acordo com a jurisprudência anterior do STJ".
De acordo com a relatora, como meio de proteção da segurança jurídica e do interesse social contido na situação em discussão, é necessário aplicar ao caso o entendimento anterior do STJ, que está refletido na Súmula 105 do STF.
Nancy Andrighi afirmou que, se uma alteração legislativa posterior que mudasse a regulação dos seguros não poderia afetar a situação da recorrente, devido à irretroatividade das leis, "com mais razão não se poderia aplicar retroativamente – nos autos que já contavam com sentença favorável – o novo entendimento jurisprudencial".
Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1721716

sábado, 4 de abril de 2020

O servidor e o PAD: a jurisprudência do STJ sobre o processo administrativo disciplinar

O servidor e o PAD: a jurisprudência do STJ sobre o processo administrativo disciplinar


Ainda que a estabilidade esteja garantida na Constituição de 1988, a própria Carta Magna e a legislação infraconstitucional possuem uma série de mecanismos para permitir que – tanto quanto o trabalhador da iniciativa privada – o servidor público responda pelas condutas inapropriadas ou ilegais, e mesmo que seja demitido em certos casos.
No exercício do poder administrativo disciplinar, o Executivo, só em 2018, puniu mais de 600 agentes públicos federais com penas de demissão, cassação de aposentadoria e destituição de cargo comissionado, em razão de atividades contrárias ao Regime Jurídico dos Servidores (Lei 8.112/1990). Segundo a Controladoria-Geral da União, as demissões alcançaram cerca de 500 servidores efetivos.
O artigo 41 da Constituição prevê que o servidor estável poderá perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa e mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho.
Por sua vez, a Lei 8.112/1990 prevê a sanção de demissão para condutas como improbidade administrativa, insubordinação grave em serviço e abandono de cargo. Enquanto as transgressões consideradas mais brandas podem ser averiguadas por meio de sindicância, o Regime Jurídico dos Servidores prescreve que, para a apuração das infrações funcionais graves, o instrumento é o processo administrativo disciplinar (PAD).
Concebido para apurar a responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições ou por práticas que tenham relação com as funções do cargo, o PAD possui uma série de etapas, que vão desde a apuração do fato ou conduta irregular até o julgamento pela autoridade administrativa competente.
Apesar de contar com uma descrição pormenorizada na Lei 8.112/1990 – de forma subsidiária, a Lei 9.784/1999 também pode ser aplicada –, o PAD está sujeito a muitas controvérsias, várias das quais acabam judicializadas e chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os entendimentos do tribunal sobre o processo administrativo disciplinar são o tema da reportagem especial O servidor e o PAD, que o STJ publica em duas partes – neste domingo e no próximo. A primeira trata das fases iniciais do processo, até a formação da comissão disciplinar.

Denúncias

De acordo com o artigo 151 da Lei 8.112/1990, o processo administrativo disciplinar possui, basicamente, as seguintes fases:
A instauração de um PAD depende da existência de investigação prévia ou de denúncia que aponte o cometimento de alguma irregularidade pelo servidor. De acordo com a Súmula 611, editada pela Primeira Seção em 2018, é permitida a instauração do processo com base em denúncia anônima, desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância.
Em uma das ações que deram origem à súmula, o servidor demitido alegou que a denúncia anônima violaria o artigo 144 da Lei 8.112/1990, que dispõe que as denúncias sobre irregularidades devem ser apuradas, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
O ministro Mauro Campbell Marques explicou que a legalidade na instauração de PAD com fundamento em denúncia anônima tem correlação com o poder-dever de autotutela imposto à administração. De acordo com o artigo 143 do estatuto dos servidores federais, a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou PAD.
No caso dos autos, o relator destacou que houve representação criminal contra o servidor por prática de lesão corporal, além de notícia sobre a possibilidade de envolvimento dele em atividade comercial paralela – prática vedada pelo artigo 177, inciso X, da Lei 8.112/1990. Com base nesses elementos, ressaltou o ministro, foram instaurados uma sindicância e, posteriormente, o processo administrativo.
"Não há que se falar em nulidade da sindicância ou do processo administrativo, especialmente porque a denúncia foi acompanhada de outros elementos de prova que denotariam a conduta do recorrente", afirmou o ministro (RMS 44.298).

Prescrição

Em 2019, a Primeira Seção editou a Súmula 635, segundo a qual os prazos prescricionais previstos no artigo 142 da Lei 8.112/1990 têm início na data em que a autoridade competente para a abertura do PAD toma conhecimento do fato, são interrompidos com o primeiro ato de instauração válido da sindicância de caráter punitivo ou do processo disciplinar e voltam a correr após decorridos 140 dias da interrupção.
De acordo com o artigo 142, a ação disciplinar prescreve em cinco anos, no caso de infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; em dois anos, quanto à sanção de suspensão; e em 180 dias, nos casos puníveis com advertência.
Ao analisar um dos recursos que deram origem à súmula, relativo a processo administrativo que culminou na cassação de aposentadoria de servidor, o ministro Gurgel de Faria explicou que as irregularidades apuradas no PAD se tornaram conhecidas em maio de 2009.
Iniciada a contagem do prazo prescricional – explicou o relator –, ele é interrompido com a publicação do primeiro ato instrutório válido – seja a abertura de sindicância, seja a instauração do PAD –, que, no caso, ocorreu em novembro de 2009.
Entretanto, ponderou, essa interrupção não é definitiva, tendo em vista que, após 140 dias (prazo máximo para conclusão e julgamento do PAD), o prazo recomeça a correr por inteiro, de acordo com regra estabelecida no artigo 142, parágrafo 4º, da Lei 8.112/1990 – o que, na hipótese dos autos, ocorreu em abril de 2010. Por isso, considerando o prazo prescricional de cinco anos para as ações puníveis com cassação de aposentadoria, o ministro apontou que os atos do PAD poderiam ter ocorrido até abril de 2015.
"Assim, há de ser afastada a alegação da prescrição punitiva da administração, uma vez que a portaria que cassou a aposentadoria do impetrante com restrição de retorno ao serviço público federal foi publicada em 26/02/2015", concluiu o ministro (MS 21.669).

Servidores cedidos

No caso de servidores que tenham sido cedidos, a Corte Especial definiu que a instauração do PAD deve acontecer, preferencialmente, no órgão em que tenha sido praticada a suposta infração. Entretanto, se chegar ao fim o prazo de cessão e o servidor tiver retornado ao órgão de origem, o julgamento e a eventual aplicação de sanção só poderão ocorrer no órgão ao qual o servidor público efetivo estiver vinculado.
A tese foi firmada no caso de um servidor cedido para ocupar cargo em comissão em outro órgão. Com base em comunicação do Tribunal de Contas da União, a comissão processante do órgão em que atuava o servidor conduziu o PAD e, ao final, concluiu pela sua responsabilidade. O presidente do órgão concordou com a conclusão da comissão e decidiu pela pena de suspensão por 60 dias, expedindo ofício ao órgão cedente para que editasse o ato punitivo.
Por meio de mandado de segurança, o servidor alegou que teria sido usurpada a competência funcional do chefe do órgão de origem, conforme os artigos 141 e 167 da Lei 8.112/1990.
O ministro João Otávio de Noronha lembrou que todo o trâmite do processo disciplinar ocorreu quando o prazo de cessão do servidor havia terminado e ele já tinha retornado ao órgão de origem.
Nesse caso, segundo o ministro, é providência absolutamente correta a apuração da suposta irregularidade pela comissão processante instaurada no órgão cessionário, tendo em vista que os fatos ocorreram durante o período em que o servidor desempenhou suas atividades no local.
Entretanto, o ministro Noronha entendeu que, após a conclusão da apuração, os autos deveriam ter sido encaminhados à chefia do órgão cedente para julgamento do servidor e eventual aplicação de penalidade, já que ele era vinculado ao seu quadro de pessoal.
"Cessada, assim, toda relação do servidor com o órgão cessionário, é natural que qualquer aplicação de penalidade se dê pelo órgão cedente", afirmou o ministro, acrescentando que "a autoridade competente para julgar o feito e aplicar eventual sanção só pode ser o superior hierárquico do órgão ao qual se acha vinculado".
Acompanhando o entendimento do ministro, o colegiado determinou o encaminhamento do PAD ao órgão cedente para julgamento, inclusive com o aproveitamento das provas produzidas (MS 21.991).

Suspeição

Os procedimentos de apuração das condutas consideradas indevidas têm início efetivo com a formação da comissão processante, que, de acordo com o artigo 149 da Lei 8.112/1990, deve ser composta por três servidores estáveis designados pela autoridade competente. Um dos integrantes será o presidente da comissão, que deve ser ocupante de cargo efetivo superior ou do mesmo nível do servidor investigado, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao indiciado.
No MS 21.773, a Primeira Seção entendeu que a imparcialidade de membro de comissão não fica prejudicada apenas porque ele compôs mais de um colegiado processante instituído para apuração de fatos distintos que envolvam o mesmo servidor.
A tese foi fixada na análise de PAD que aplicou a penalidade de demissão a um ex-reitor de universidade federal, por concluir que ele se valeu do cargo que ocupava para destinar recursos públicos a particulares sem licitação.
Para a defesa, deveria ser reconhecida a falta de imparcialidade de duas pessoas que integraram a comissão processante, já que uma delas participou da elaboração de termo de indiciamento do ex-reitor em um PAD diferente, e a outra presidiu uma segunda comissão contra o mesmo servidor.
O relator do mandado de segurança, ministro Benedito Gonçalves, apontou que a participação dos servidores em comissões que apuraram fatos distintos do PAD em análise não os torna suspeitos ou impedidos. Na verdade, disse o ministro, a ciência prévia dos fatos que torna a autoridade suspeita é aquela verificada quando o membro da comissão participa da fase de sindicância – o que não foi comprovado nos autos.
"A participação de servidor público em mais de uma comissão processante contra o mesmo acusado não ofende os artigos 150 da Lei 8.112/1990 e 18 e 20 da Lei 9.784/1999, ainda que os fatos investigados por uma guardem correlação ou sejam citados em outras", afirmou o ministro ao negar o mandado de segurança.

Substituição de membros

A Primeira Seção entende ser possível a substituição de membros da comissão processante no curso do PAD. Em 2018, o colegiado aplicou a tese ao examinar um processo disciplinar contra policial rodoviário federal acusado de receber propina de motoristas no Rio de Janeiro. Segundo o servidor, houve violação do princípio da identidade física do juiz, pois o superintendente regional teria nomeado uma policial estranha aos autos para apresentar uma nova análise do processo.
A relatora do mandado de segurança, ministra Regina Helena Costa, explicou que a primeira substituição de membros da comissão processante ocorreu em razão de impedimento declarado por um dos servidores; a segunda alteração foi motivada por suspeição suscitada pelo próprio investigado; e uma terceira modificação foi necessária porque um dos servidores do grupo tomou posse em cargo público inacumulável.
"Nesse contexto, constato a higidez do processo administrativo disciplinar em análise, porquanto, na linha da jurisprudência desta corte, é possível a substituição de membros da comissão processante, desde que respeitados, quanto aos membros designados, os requisitos insculpidos no artigo 149 da Lei 8.112/1990" – requisitos que, segundo a ministra, foram atendidos no caso (MS 21.898).

Servidores de outro órgão

Em outra discussão que envolveu o princípio do juiz natural, a Primeira Seção concluiu que também é possível a designação, para a comissão processante, de servidores lotados em órgão diferente daquele em que atua o servidor investigado.
A questão foi levantada por ex-servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que contestou a participação de servidor estranho aos quadros da agência como presidente do PAD instaurado para apurar abandono de cargo. Ao final do processo, o servidor foi demitido.
No voto, acompanhado pela maioria do colegiado, a ministra Assusete Magalhães esclareceu que a lei exige que os membros da comissão processante sejam servidores estáveis no serviço público, mas não veda a participação de quem esteja lotado em outro órgão.
"No caso, sendo o presidente da comissão processante analista de finanças e controle, servidor estável da Controladoria-Geral da União, integrando a comissão também um oficial de inteligência da Abin, igualmente estável, improcede a alegação de violação do princípio do juiz natural", apontou a ministra ao confirmar a validade do PAD (MS 17.796).

Declarações públicas

Nos casos em que as investigações do PAD acabam ganhando os holofotes públicos, o STJ já decidiu que declarações prestadas à mídia por autoridade pública sobre irregularidades cometidas por seus subordinados não geram a nulidade do processo.
O entendimento foi aplicado pela Terceira Seção em julgamento de policial rodoviário federal demitido após processo administrativo instaurado para investigar práticas de liberação irregular de veículos, corrupção e facilitação da circulação de automóveis em situação irregular.
Segundo o servidor, no momento da deflagração da operação policial que investigou os crimes, o corregedor-geral da Polícia Rodoviária Federal emitiu juízo de valor e fez um pré-julgamento contra ele e outros policiais investigados. Para o servidor, essa conduta violou a isenção da autoridade para nomear a comissão que ficaria a cargo das apurações administrativas.
Entretanto, de acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, a defesa do servidor se limitou a juntar aos autos matérias publicadas na internet sobre declarações da autoridade a respeito dos resultados da operação policial.
No entendimento do ministro, esse procedimento da autoridade é "absolutamente normal em função do cargo que exercia à época, em nome da transparência e publicidade da atuação estatal, de interesse de toda a coletividade" (MS 12.803).
A reportagem O servidor e o PAD continua no próximo domingo, com a apresentação de casos sobre a produção de provas no processo administrativo e a fase de julgamento da ação disciplinar.

Bibliografias Selecionadas

O serviço Bibliografias Selecionadas, da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, divulga periodicamente referências de livros, artigos de periódicos, legislação, notícias de portais especializados e outras mídias sobre temas relevantes para o STJ e para a sociedade, muitos deles com texto integral.

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 44298MS 21669MS 21991MS 21773MS 21898MS 17796MS 12803

Fonte: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/O-servidor-e-o-PAD-a-jurisprudencia-do-STJ-sobre-o-processo-administrativo-disciplinar.aspx





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