segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Um fato, diversas consequências: a independência e as implicações entre as esferas civil, penal e administrativa, segundo o STJ

Um fato, diversas consequências: a independência e as implicações entre as esferas civil, penal e administrativa

A legislação brasileira prevê que a mesma conduta ilícita pode gerar consequências diversas, em diferentes instâncias da Justiça. Se, por exemplo, um servidor público comete um ato considerado crime durante o expediente, ele poderá ser processado e condenado em três esferas diferentes: penal (para apuração do crime), civil (caso a vítima reclame uma indenização) e administrativa (para exame da sanção aplicável no serviço público).

Em regra, essas instâncias funcionam de forma independente e podem adotar decisões distintas, sem que a eventual condenação em mais de uma delas configure indevida punição pelo mesmo fato, o chamado princípio do non bis in idem. Entretanto, a própria legislação – em especial o Código Civil, o Código de Processo Penal e a Lei 8.112/1990 – prevê hipóteses em que há implicações mútuas e possíveis conexões entre o andamento e o resultado dessas ações.

Muitas controvérsias sobre a correlação entre instâncias decisórias distintas acabam sendo analisadas pelo Judiciário, o que levou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a adotar posições importantes em diversos desses debates.

Indenização civil pode ser fundamentada em condenação criminal sem trânsito em julgado

A Terceira Turma do STJ decidiu que o reconhecimento da prática de um crime e a identificação do seu autor em sentença penal condenatória, ainda que o processo não tenha transitado em julgado, podem fundamentar a condenação em ação civil de reparação.

Após seu filho ser vítima de homicídio, uma mulher ajuizou ação de danos morais contra o acusado, e o juízo cível fixou a indenização em R$ 100 mil. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e julgou o pedido improcedente com base na controvérsia sobre os fatos, pois, além de não haver testemunhas, o réu sempre alegou legítima defesa e indicou um comportamento agressivo por parte da vítima.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do REsp 1.829.682, observou que o artigo 935 do Código Civil adotou o sistema da independência entre as esferas civil e criminal, mas tal independência é relativa: uma vez reconhecida a existência do fato e da autoria no juízo criminal, essas questões não poderão mais ser analisadas pelo juízo cível.

O relator explicou que, enquanto o dever de indenizar é incontestável diante de uma sentença condenatória com trânsito em julgado, nas hipóteses de sentença absolutória fundada em inexistência do fato ou negativa de autoria, não há obrigação de indenização. Contudo, ele apontou que o caso dos autos não se encaixava em nenhuma dessas situações, já que a sentença condenatória ainda não era definitiva. Assim, era preciso avaliar os elementos de prova para medir a responsabilidade do réu pela reparação do dano.

O ministro ressaltou que, no caso em questão, não se poderia negar a existência do dano sofrido pela mãe nem a acentuada reprovabilidade da conduta do réu. Mesmo que a vítima tenha demonstrado comportamento agressivo e tenha havido luta corporal, conforme sustentado pela defesa, o ministro comentou que esses elementos não afastam a obrigação de indenizar, "especialmente quando todas as circunstâncias relacionadas ao crime foram minuciosamente examinadas no tribunal criminal, resultando em sua condenação".

No entanto, levando em conta a agressividade da vítima, especialmente nos atos praticados contra a filha e outros familiares do réu, a Terceira Turma determinou que a indenização fosse reduzida para R$ 50 mil.

Código Civil assegura que prescrição não começa a fluir antes do fim da ação penal

Em 2022, ao julgar um recurso especial em segredo de justiça, a Terceira Turma reafirmou o entendimento de que, quando a ação civil se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, o Código Civil de 2002 (CC/2002) assegura que não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, independentemente do resultado da ação na esfera penal.

Uma mulher de 22 anos ajuizou ação de indenização por danos morais contra um familiar, alegando ter sido vítima de ameaças e abuso sexual praticados por ele em 2001, quando ela tinha apenas sete anos de idade. No recurso ao STJ, o acusado alegou a ocorrência da prescrição da ação, afirmando não haver prejudicialidade entre as esferas civil e criminal, pois o artigo 200 do CC/2002 somente poderia ser aplicado se a ação penal tivesse sido proposta regularmente, mas, no caso, teria sido reconhecida a ilegitimidade ativa do Ministério Público na ação criminal.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, enfatizou o artigo 200 do CC, que aborda uma causa especial de suspensão da prescrição, somente deve ser aplicado quando o julgamento da ação penal tem o potencial de influenciar substancialmente o resultado do processo civil. Segundo ela, isso é crucial para evitar soluções contraditórias entre as esferas penal e civil, especialmente quando a resolução do processo penal é determinante para o desfecho do processo civil.

"Por isso, permite-se à vítima aguardar a solução da ação penal para apenas depois ajuizar a demanda indenizatória na esfera civil. Tal entendimento prestigia a boa-fé objetiva, impedindo que o prazo prescricional para deduzir a pretensão reparatória se inicie previamente à apuração definitiva do fato no juízo criminal, criando uma espécie legal de actio nata", declarou.

Por fim, a ministra esclareceu que, conforme a jurisprudência do STJ, o artigo 200 do CC/2002 incidirá independentemente do resultado alcançado na esfera criminal. "Na hipótese dos autos, houve a propositura de ação penal, na qual foi declarada a ilegitimidade ativa do Ministério Público em relação a um dos delitos, e o réu foi absolvido do outro. Tais circunstâncias, todavia, não afastam a incidência do artigo 200 do CC/2002, remanescendo hígida a pretensão", concluiu.

Prescrição na ação penal não impede andamento de ação indenizatória no juízo cível

No julgamento do REsp 1.802.170, a Terceira Turma entendeu que a prescrição da ação penal não afasta o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória por meio de ação civil ex delicto (ação movida pela vítima na Justiça cível para ser indenizada pelo dano decorrente do crime).

Seis anos depois de sofrer agressões físicas, um homem ajuizou a ação civil ex delicto contra seus agressores. Entretanto, após o juízo de primeiro grau condenar os agressores por lesão corporal grave, a pena dos réus foi extinta pela prescrição retroativa. Os agressores, então, interpuseram recurso especial no STJ alegando que a ação indenizatória só poderia ter sido ajuizada se houvesse condenação criminal transitada em julgado. Sustentaram ainda que a pretensão reparatória estaria prescrita.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, ponderou que a prescrição da pretensão punitiva do Estado impede apenas a formação do título executivo judicial na esfera criminal, mas não afeta o exercício da pretensão indenizatória no juízo cível.

Segundo a ministra, a legislação brasileira estabelece uma relativa autonomia entre as esferas civil e penal. Ela explicou que aqueles que desejam buscar compensação por danos decorrentes de um delito têm a opção de ingressar com ação de indenização no âmbito civil ou aguardar o desfecho do processo penal, podendo, somente após isso, liquidar ou executar o título judicial resultante de uma eventual sentença penal condenatória transitada em julgado.

"A ação civil ex delicto é, portanto, a ação ajuizada pela vítima, na esfera civil, para obter a indenização dos danos – materiais e/ou morais – sofridos em virtude da prática de uma infração penal; é, pois, a ação cuja pretensão se vincula à ocorrência de um fato delituoso que causou danos, ainda que tal fato e sua autoria não tenham sido definitivamente apurados no juízo criminal", declarou.

Juiz pode fixar valor mínimo de dano moral em sentença penal condenatória

Para a Sexta Turma, o juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pelo crime, pode considerar também os danos morais, e não só os materiais – desde que fundamente essa opção.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) havia decidido que a condenação à reparação mínima prevista no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP) diz respeito apenas aos prejuízos materiais demonstrados nos autos, sem envolver o dano moral.

Ao julgar o REsp 1.585.684, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora, afirmou que, com o objetivo de dar maior efetividade ao direito da vítima em ver ressarcido o dano sofrido, a Lei 11.719/2008 alterou o CPP para dar ao magistrado penal o poder de fixar um valor mínimo para a reparação civil do dano causado pelo crime, "sem prejuízo da apuração do dano efetivamente sofrido pelo ofendido na esfera civil".

"Dessa forma, junto com a sentença penal, haverá uma sentença civil líquida, e mesmo que limitada, estará apta a ser executada. E quando se fala em sentença civil, em que se apura o valor do prejuízo causado a outrem, vale lembrar que, além do prejuízo material, também deve ser observado o dano moral que a conduta ilícita ocasionou", declarou a ministra.

Absolvição na ação de improbidade repercute no trancamento do processo penal

A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da falta de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal. Com esse entendimento, ao julgar o RHC 173.448, a Quinta Turma deu provimento a um recurso em habeas corpus e trancou a ação penal contra uma empresária acusada de integrar suposto esquema de desvio de verbas públicas no governo do Distrito Federal.

A empresária enfrentou acusações de corrupção ativa e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Caixa de Pandora. Entretanto, com base na subsequente absolvição na ação de improbidade, movida em razão dos mesmos eventos, a defesa da empresária interpôs um habeas corpus, o qual foi denegado pelo TJDFT.

Ao STJ, a defesa sustentou que, diante da absolvição da empresária na ação de improbidade ajuizada pelos mesmos fatos, a ação penal deveria ter sido trancada, pois não haveria justa causa para a persecução penal.

O relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, observou que não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, em se tratando do mesmo fato. "Não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível", afirmou.

O magistrado ponderou que, apesar de a absolvição civil não autorizar o encerramento da ação penal, existem fundamentos que não podem ser ignorados na análise do juízo criminal. Para o ministro, no caso em questão, a ausência de dolo e de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para a persecução penal. "Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite", concluiu.

Absolvição penal por falta de prova não vincula o juízo cível no julgamento de ação reparatória

Em outro julgamento relevante da Terceira Turma, o REsp 1.117.131, foi definido que a sentença penal absolutória, quando fundamentada na falta de provas, não vincula o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato.

No caso, uma mulher ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o homem que atropelou e matou seu esposo. A ação foi julgada procedente, a fim de condenar o acusado ao pagamento de pensão mensal e indenização por danos morais. No mesmo período, uma ação penal pelo mesmo fato também esteve em andamento, na qual o juízo – segundo o acusado – teria reconhecido a responsabilidade exclusiva da vítima, o que resultou na absolvição.

Tendo em vista a essa decisão absolutória, o homem apresentou uma objeção de pré-executividade no processo de indenização em andamento no juízo cível. Ele solicitou a extinção do processo devido à falta de liquidez e certeza do título judicial que estava sendo executado. As instâncias ordinárias, contudo, rejeitaram a objeção.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que a absolvição no juízo criminal não exclui automaticamente a possibilidade de condenação no cível. Segundo a ministra, o juízo cível é menos rigoroso do que o criminal no que diz respeito aos requisitos da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes em ambas as esferas.

A relatora ressaltou que, apesar de o recorrente afirmar que a absolvição no juízo penal ocorreu por culpa exclusiva da própria vítima, a decisão foi proferida por falta de provas, de maneira que não impede a indenização pelo dano civil.

Nancy Andrighi explicou que a ação em que se discute a reparação civil somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória estar fundamentada na inexistência do fato, na negativa de autoria ou em alguma excludente de ilicitude. "A decisão absolutória não pode obstar a execução da decisão proferida na ação civil proposta em face do recorrente, pois não ocorreu declaração de inexistência material do acidente que vitimou o esposo da autora da ação de indenização", disse.

Membro do MP acusado de falta administrativa também prevista como crime

Já no julgamento do REsp 1.535.222, a Segunda Turma estabeleceu que, na hipótese de membro de Ministério Público estadual praticar falta administrativa também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal.

O ministro Og Fernandes, relator, ponderou que, embora as instâncias civil, administrativa e penal sejam independentes, e a vinculação automática só exista quando, na área penal, se reconhece a negativa do fato ou da autoria, o regime jurídico dos membros do MP tem uma particularidade: a ação civil para decretação da perda do cargo só pode ser proposta depois de transitada em julgado a sentença penal, quando houver a prática de crime incompatível com o exercício do cargo.

O magistrado ainda ressaltou que a garantia dada aos membros do MP de não poderem perder o cargo senão por meio de ação civil própria, posterior à sentença criminal transitada em julgado, não pode se transformar em um obstáculo para a punição justa e adequada.

"Pensar o contrário seria admitir a possibilidade de que a ação civil pública para perda do cargo sempre ficaria no aguardo de que a ação criminal fosse rápida e atingisse o trânsito em julgado, antes que o lapso prescricional incidisse no caso. Uma interpretação nesse patamar, além de contraditória, porquanto levaria à conclusão de que, mesmo impedindo de ingressar com uma demanda, ainda assim haveria um prazo prescricional correndo contra si, desborda de qualquer lógica jurídica. É dizer: prescrição somente ocorre quando alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo no tempo oportuno; não quando deixou de agir ex lege (por força de lei)", concluiu.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1829682REsp 1802170REsp 1585684RHC 173448REsp 1117131REsp 1535222


Fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/18022024-Um-fato--diversas-consequencias-a-independencia-e-as-implicacoes-entre-as-esferas-civil--penal-e-administrativa.aspx>. Acesso  em 19.02.2024


 

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

STJ - Sexta Turma afasta in dubio pro societate na pronúncia e cassa decisão que submeteu acusado ao tribunal do júri

Sexta Turma afasta in dubio pro societate na pronúncia e cassa decisão que submeteu acusado ao tribunal do júri

Por entender que a sentença de pronúncia exige a demonstração de alta probabilidade de envolvimento do réu no crime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou o preceito in dubio pro societate e cassou a decisão que havia mandado a júri popular um homem acusado de participação em homicídio no Distrito Federal.

O colegiado superou a compreensão doutrinária – acolhida durante muito tempo pela jurisprudência – de que, diante da desnecessidade de prova cabal de autoria para a pronúncia do acusado, esse momento processual deveria ser regido pelo preceito in dubio pro societate.

De acordo com os autos, dois homens contrataram um motorista para levá-los ao local onde mataram uma pessoa. No processo, não surgiu nenhuma evidência de que o motorista conhecesse previamente os autores do crime ou a vítima, nem de que ele soubesse da intenção criminosa de seus passageiros. Houve prova, sim, de que o motorista fazia serviços de transporte habitualmente.

Mesmo assim, ele foi denunciado e pronunciado. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), ao manter a pronúncia com base no preceito in dubio pro societate, considerou indiscutível o fato de o réu ter dirigido o carro, havendo dúvida apenas quanto a ele ter ou não conhecimento de que os passageiros pretendiam cometer o crime – dúvida que, para a corte local, deveria ser dirimida pelo júri popular.

Exigência de prova deve ser maior para decisões mais graves

O relator do caso no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que os requisitos necessários à submissão de um acusado ao tribunal do júri devem ser analisados sob a perspectiva dos standards probatórios (grau de confirmação que um fato precisa ter, a partir das provas, para justificar uma decisão).

Para o ministro, os standards probatórios devem ser progressivos, exigindo-se maior grau de confirmação sobre os fatos à medida que a decisão a ser tomada pelo julgador tenha consequências mais graves para o acusado. "É preciso levar em conta a gravidade do erro que pode decorrer de cada tipo de decisão", comentou, apontando que a abertura de uma investigação, por exemplo, é menos grave para o indivíduo do que o recebimento da denúncia.

Já a pronúncia – penúltima etapa antes de eventual condenação – é, segundo Schietti, uma "medida consideravelmente danosa para o acusado", pois ele será julgado por jurados leigos que não precisam fundamentar suas decisões. Por isso, na pronúncia, "o standard deve ser razoavelmente elevado, e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao tribunal do júri".

Segundo o ministro, "não pode o juiz, na pronúncia, 'lavar as mãos' – tal qual Pôncio Pilatos – e invocar o in dubio pro societate como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva".

Dúvida sobre autoria é diferente de dúvida sobre indícios de autoria

Schietti avaliou que, no caso em julgamento, a pronúncia ocorreu sem que houvesse nenhum indício robusto para demonstrar com elevada probabilidade a hipótese de participação consciente do motorista no crime.

Para o relator, é necessário distinguir a dúvida sobre a autoria de um crime – a qual, se presentes indícios suficientes, deve ser dirimida pelo conselho de sentença – da dúvida quanto à própria existência de indícios suficientes de autoria, "que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia", em decorrência do in dubio pro reo.

"O fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate – que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro – e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia", concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.091.647.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2091647

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/11102023-Sexta-Turma-afasta-in-dubio-pro-societate-na-pronuncia-e-cassa-decisao-que-submeteu-acusado-ao-tribunal-do-juri.aspx>. Acesso em 16.10.2023


 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Condenados aprovados em concurso público têm direito a nomeação, decide STF! Boa decisão!

Condenados aprovados em concurso público. têm direito a nomeação, decide STF


A medida é possível desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido, entre outras condições. 04/10/2023 18h13 - Atualizado há


Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão desta quarta-feira (4), que condenados aprovados em concursos públicos podem ser nomeados e empossados, desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido nem conflito de horários entre a jornada de trabalho e o regime de cumprimento da pena.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1282553, com repercussão geral (Tema 1.190), de relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O entendimento firmado pelo STF terá de ser observado pelas demais instâncias do Poder Judiciário e pela administração pública.

Direitos políticos

No recurso, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contestava decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que admitiu a investidura no cargo de auxiliar de indigenismo de um candidato aprovado em concurso que estava em liberdade condicional. Entre outros pontos, a Funai argumentava que o Regime Jurídico Único (Lei 8.112/1990) exige o pleno gozo dos direitos políticos como requisito para a investidura.

Direitos civis e sociais

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes explicou que a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal não alcança direitos civis e sociais. “O que a Constituição Federal estabelece é a suspensão do direito de votar e de ser votado, e não do direito a trabalhar”, assinalou, ressaltando que a ressocialização dos presos no Brasil é um desafio que só pode ser enfrentado com estudo e trabalho.

Reintegração

O ministro salientou que, mesmo condenado em regime fechado por tráfico de drogas, o candidato havia sido aprovado em vestibular para Direito, em dois concursos de estágio e, por fim, em dois concursos públicos. Obteve então a liberdade condicional, para que pudesse ser investido no cargo público e se reintegrar à sociedade. Quanto à falta de quitação com a Justiça Eleitoral, o relator lembrou que é uma decorrência da pena que ele cumpria.

Seu voto foi seguido pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso e pela ministra Cármen Lúcia.

Edital

O ministro Cristiano Zanin abriu a divergência por entender que, a despeito do esforço do candidato, as regras do edital do concurso público precisavam ser observadas. Para ele, ao abrir uma exceção, o Poder Judiciário invadiria a seara legislativa e causaria prejuízo aos candidatos que preencheram todos os requisitos e às pessoas que não concorreram por não cumprir os requisitos do edital.

O ministro Dias Toffoli acompanhou a divergência. O ministro Nunes Marques não participou do julgamento porque havia atuado no caso como desembargador do TRF-1.

Tese

A tese de repercussão fixada no julgamento é a seguinte:

“A suspensão dos direitos políticos prevista no artigo 15 inciso III da Constituição Federal - condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos - não impede a nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público, desde que não incompatível com a infração penal praticada, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (Constituição Federal, artigo 1°, incisos III e IV) e do dever do Estado em proporcionar as condições necessárias para harmônica integração social do condenado, objetivo principal da execução penal, nos termos do artigo 1° da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84). O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do Juízo de Execuções, que analisará a compatibilidade de horários”.

Processo relacionado: RE 1282553

VP/CR//CF

Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=515228&ori=1>. Acesso em 05.10.2023

domingo, 20 de agosto de 2023

STJ - Produção antecipada de provas: questões sobre o tempo, a memória e a inversão dos atos no processo penal!

Produção antecipada de provas: questões sobre o tempo, a memória e a inversão dos atos no processo penal

No processo penal – iniciado, formalmente, com a decisão de recebimento da denúncia –, a legislação brasileira prevê uma ordem específica para a realização dos atos processuais, entre eles a produção de provas. Essa fase, como regra, é realizada após a citação do réu, e envolve atos como a oitiva das testemunhas, o interrogatório do réu e a colheita de outras provas. O objetivo é garantir a efetividade da ação penal e proteger direitos constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa.

Entretanto, a própria lei brasileira prevê situações em que é permitida a antecipação da produção probatória, em geral por razões de urgência ou pela possibilidade de que, com o decurso do tempo, não se tenha mais como produzir uma prova fundamental. O iminente perecimento de prova frágil e o tempo entre a prática do crime e o momento da produção da prova no processo, por exemplo, podem justificar a autorização da medida.

artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP) autoriza que o juiz, de ofício, ordene a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, mesmo antes de iniciada a ação penal. Já o artigo 366 do CPP estipula que, caso a ação penal fique suspensa em razão do não comparecimento aos autos de réu citado por edital, o magistrado também poderá decretar a antecipação da produção de provas.

Além de inverter a ordem normal do processo penal, a produção antecipada de provas tem reflexos potenciais no exercício do contraditório, já que, caso seja autorizada, é possível a mitigação da participação da defesa no ato. É exatamente a alegação de violação do direito de defesa que leva muitas partes a recorrer contra a antecipação da produção probatória, e essas controvérsias, frequentemente, chegam ao STJ. 

Em 2010, a Terceira Seção, responsável por matéria de direito penal, editou a Súmula 455, estabelecendo a exigência de fundamentação concreta para a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP.

Rotina policial justifica tomada antecipada de depoimentos

No RHC 64.086, a Terceira Seção considerou legal a antecipação da prova testemunhal de policiais, sob o risco de esquecimento devido à submissão a eventos similares diariamente.

Na origem, um denunciado por tentativa de homicídio, após ter sido citado por edital, não compareceu em juízo nem constituiu advogado. O juízo decretou a suspensão do processo e do prazo prescricional, além de deferir a produção antecipada de provas.

Por sua vez, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus alegando falta de fundamentação concreta que justificasse a produção antecipada de provas e invocando a Súmula 455 do STJ. O tribunal local denegou a ordem, sob o fundamento do risco de perecimento da prova testemunhal.

O ministro Rogerio Schietti Cruz, cujo voto prevaleceu no julgamento no STJ, ressaltou que, na hipótese de ser desconhecido o paradeiro do acusado após a citação por edital, o juiz pode determinar a produção antecipada de provas urgentes com o objetivo de preservar os detalhes relevantes para a solução do caso.

Schietti destacou que o Estado deve exercitar seu jus puniendi de forma equilibrada, protegendo não somente o acusado, mas também a sociedade, "sob pena de desequilibrarem-se os legítimos interesses e direitos envolvidos na persecução penal".

Segundo ele, a atividade policial é uma circunstância que agrava as limitações normais da memória humana. "A testemunha corre sério risco de confundir fatos em decorrência da sobreposição de eventos semelhantes", avaliou o ministro.

O aproveitamento de prova emprestada e o princípio da economia processual

A Sexta Turma, no REsp 1.959.984, decidiu pelo aproveitamento de provas antecipadas, produzidas em relação aos demais denunciados, para aquele que teve o processo suspenso por não ter sido encontrado.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, destacou que a produção de provas foi realizada no curso regular da ação penal em relação aos denunciados citados pessoalmente. Conforme explicou, "a oitiva das testemunhas iria ocorrer, independentemente do deferimento da medida antecipatória".

Dessa maneira, a relatora apontou que não havia necessidade de demonstrar requisitos específicos para a antecipação de provas, pois "ela consistiria tão somente em validar a utilização da prova em relação ao réu que teve o processo suspenso".

Segundo Laurita Vaz, o aproveitamento da prova ocorreu com observância do contraditório e da ampla defesa, pois o acusado esteve representado por defensor público durante a audiência de instrução. Conforme observou, "localizado o recorrido e retomada a marcha processual, poderá a defesa, caso entenda necessário, postular a repetição da prova" que será avaliada pelo juiz.

Presença da defesa afasta risco de prejuízo ao réu

Em 2022, a Quinta Turma negou provimento ao agravo regimental no HC 751.023, que buscava anular a antecipação na produção de provas em processo que havia sido suspenso, pois o réu, citado por edital, não compareceu em juízo nem constituiu advogado.

Na origem, o juízo, como forma de produção antecipada, havia determinado o aproveitamento de prova devidamente produzida contra o corréu do paciente, sob o fundamento de evitar a sua perda.

Conforme acórdão do tribunal local, a antecipação não prejudicaria a renovação da prova em eventual retomada do processo em relação ao acusado, caso se demonstrasse sua necessidade.

No entanto, a defesa, insatisfeita, sustentou não haver hipótese autorizadora para a produção antecipada da prova em relação ao paciente, e pediu a aplicação da Súmula 455.

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ressaltou a decisão da Terceira Seção que entendeu ser justificável a antecipação da oitiva de testemunha quando houver o risco de perecimento da prova. Segundo explicou, o fato de já se terem passado sete anos desde a data do crime era suficiente para justificar a colheita antecipada da prova.

O ministro completou que, além disso, a defesa não demonstrou efetivo prejuízo decorrente da providência adotada em primeira instância. Segundo explicou, a defesa se limitou a demonstrar uma suposta insuficiência de fundamentos para pleitear a nulidade da prova.

Em decisão similar, a Quinta Turma também negou provimento ao agravo regimental no HC 557.840, por entender que a decisão do juízo de primeiro grau demonstrou fundamentadamente a necessidade da produção antecipada de prova.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do habeas corpus, destacou que o transcurso de uma década entre o fato delitivo e a produção probatória indicava risco concreto de perecimento das provas. Além disso, o ato foi realizado com a presença do Ministério Público e de defesa técnica, atendendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Para o ministro, "a realização da produção antecipada de provas não traz qualquer prejuízo para a defesa, porquanto o agravante se encontra representado pela defensoria pública estadual".

Não se pode atribuir à testemunha o encargo de preservar os fatos na memória

Em outra decisão, num agravo regimental em segredo de Justiça, a Quinta Turma novamente entendeu que a produção antecipada de provas não havia trazido qualquer prejuízo para a defesa, já que o ato foi realizado na presença de defensor nomeado e, caso o acusado comparecesse no processo futuramente, poderia requerer a produção das provas que entendesse necessárias para a sua defesa.

Nesse processo, ficou evidenciado o temor de que, com a demora na colheita de provas, fossem perdidos detalhes relevantes para a elucidação dos fatos.

"Não há como negar o concreto risco de perecimento da prova testemunhal, tendo em vista a alta probabilidade de esquecimento dos fatos distanciados do tempo de sua prática", afirmou o relator, ministro Jorge Mussi.

O ministro observou que não é justo atribuir a uma testemunha o encargo de guardar na memória os detalhes dos fatos presenciados, enquanto o acusado se esquiva da ação penal deflagrada contra ele.

Em 2020, a Sexta Turma cassou uma decisão de primeira instância que ordenou a oitiva antecipada dos depoimentos de testemunhas sob o argumento de que, com o passar do tempo, elas poderiam esquecer detalhes dos fatos.

O ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do recurso em habeas corpus – que tramitou em segredo de Justiça –, afirmou que a hipótese contida no artigo 366 do CPP só poderia ser aplicada diante da concreta possiblidade de perecimento da prova, a fim de resguardar a efetividade da prestação jurisdicional.

No entanto, segundo o relator, a produção antecipada foi justificada tão somente em razão do decurso do tempo, faltando algum apontamento específico que, no caso concreto, justificasse a medida.

Para o ministro, "a decisão que determinou a antecipação não apresentou fundamentação idônea, em clara ofensa ao princípio do devido processo legal, de modo que não se aproveitam os atos nela realizados".

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RHC 64086REsp 1959984HC 751023HC 557840

FONTE: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/20082023-Producao-antecipada-de-provas-questoes-sobre-o-tempo--a-memoria-e-a-inversao-dos-atos-no-processo-penal.aspx>. Acesso em 20.08.2023













 

sexta-feira, 16 de junho de 2023

STJ - Penhora pode recair sobre direitos aquisitivos de contrato de promessa de compra e venda não registrado

STJ - Penhora pode recair sobre direitos aquisitivos de contrato de promessa de compra e venda não registrado

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a penhora pode recair sobre direitos aquisitivos decorrentes do contrato de promessa de compra e venda, mesmo quando ausente o registro do contrato e na hipótese de o exequente ser proprietário e vendedor do imóvel objeto da penhora.

O caso diz respeito a um contrato de venda de imóvel. Após o não pagamento de duas promissórias oriundas do contrato, a vendedora buscou judicialmente a penhora dos direitos da compradora sobre o imóvel.

O juízo de primeiro grau negou o pedido sob o entendimento de que não houve averbação do contrato na matrícula do imóvel e que o bem ainda estaria inscrito em nome da vendedora. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

No recurso especial, a vendedora defendeu a desnecessidade do registro do contrato de compra e venda e a irrelevância do imóvel ainda estar em seu nome para fins da penhora.

Não há impedimento legal para o pedido feito

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou que não há, em tese, restrição legal para a penhora dos direitos aquisitivos decorrentes de contrato de promessa de compra e venda, ainda que o exequente seja promitente vendedor ou proprietário do imóvel e que o contrato não tenha sido registrado.

A ministra destacou uma inovação do atual Código de Processo Civil, que prevê, no inciso XII do artigo 835, a penhora dos direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia. Ela lembrou que, nestes casos, a penhora não recai sobre a propriedade do imóvel, mas sim sobre os direitos que derivam da relação obrigacional firmada – promessa de compra e venda.

"A penhora sobre os direitos aquisitivos, portanto, incide sobre os direitos de caráter patrimonial decorrentes da relação obrigacional (promessa de compra e venda) e não sobre a propriedade do imóvel", resumiu Nancy Andrighi.

Ausência de registro também não é impeditivo

A relatora observou que a medida buscada com o recurso pode recair sobre quaisquer direitos de natureza patrimonial, sem qualquer ressalva legal ou exigência especial em relação aos direitos aquisitivos derivados da promessa de compra e venda.

A ministra afirmou que o direito real de aquisição surge com o registro do contrato, mas antes dessa etapa já existe o direito pessoal derivado da relação contratual, cujo pagamento pode ser exigido entre as partes. Nancy Andrighi lembrou a Súmula 239 do STJ, que consolida esse entendimento.

"Desse modo, tem-se que o credor dos direitos aquisitivos penhorados os adquirirá no estado em que se encontrarem, sejam de caráter pessoal, sejam de caráter real. Não obstante, a conclusão que se impõe é que a mera ausência do registro do negócio jurídico não impede o exercício da penhora", concluiu a relatora.

Peculiaridade da propriedade do imóvel

A relatora destacou que, na penhora dos direitos aquisitivos do executado, não tendo ele oferecido embargos ou sendo estes rejeitados, o artigo 857 do CPC/15 estabelece que o exequente ficará sub-rogado nos direitos do executado até a concorrência de seu crédito.

Nesse contexto, na hipótese de o executado ser o titular dos direitos de aquisição de imóvel e o exequente ser o proprietário desse mesmo bem, poderá ocorrer tanto a sub-rogação, com a consequente confusão, na mesma pessoa, da figura de promitente comprador e vendedor, ou, alternativamente, a alienação judicial do título, com os trâmites pertinentes à consecução do valor equivalente, de acordo com artigo 879 e seguintes do CPC/15.

No mais, a ministra enfatizou que não permitir a penhora sobre os direitos aquisitivos pode colocar o exequente/promitente vendedor em desvantagem em relação aos demais credores, uma vez que é com o ato de constrição que nasce o direito de preferência na execução, nos termos do artigo 797 do CPC. 

Leia o acórdão no REsp 2.015.453.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2015453

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/16062023-Penhora-pode-recair-sobre-direitos-aquisitivos-de-contrato-de-promessa-de-compra-e-venda-nao-registrado.aspx>.Acesso em 16.06.2023



sexta-feira, 5 de maio de 2023

STJ - Terceira Turma admite prisão domiciliar para devedora de alimentos que cuida de filho menor

STJ - Terceira Turma admite prisão domiciliar para devedora de alimentos que cuida de filho menor

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu o cumprimento da prisão por dívida de alimentos em regime domiciliar, caso a devedora seja mãe e única responsável por outro filho menor de 12 anos. Ao aplicar, por analogia, o artigo 318, V, do Código de Processo Penal (CPP), o colegiado considerou que esse dispositivo – instituído pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) – tem a finalidade de reduzir os efeitos negativos decorrentes do afastamento materno.

Na origem, após a mãe deixar de pagar a pensão para um de seus filhos, que ficou sob a guarda do pai, foi requerido o cumprimento da sentença que havia homologado o acordo de alimentos estabelecido entre as partes. O juiz decretou a prisão civil da devedora.

Impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o relator suspendeu a ordem de prisão, mas, no julgamento de mérito, o colegiado negou o pedido e revogou a liminar.

Em outro habeas corpus, dessa vez no STJ, a defesa afirmou que a mulher está desempregada, é mãe solo e responsável pela guarda de um filho menor de 12 anos. Nesse contexto, pediu que fosse aplicado, por analogia, o dispositivo do CPP que permite o cumprimento da prisão preventiva em regime domiciliar no caso de mulher com filho de até 12 anos, entre outras hipóteses.

Dispositivo integra política de proteção à primeira infância

A relatora, ministra Nancy Andrighi, comentou que a regra do artigo 318, V, do CPP, apesar de fazer parte da legislação processual penal, não atende exclusivamente a esse ramo do direito. Segundo explicou, o dispositivo "compõe um conjunto de regras destinadas à promoção de uma política pública de proteção à primeira infância".

"Não há razão para que essa mesma regra não se aplique às mães encarceradas em virtude de dívida de natureza alimentar, observada a necessidade de adaptação desse entendimento às particularidades dessa espécie de execução", acrescentou.

Segundo a ministra, o STJ adotou o entendimento de que é legalmente presumida a necessidade de cuidado materno para as crianças menores de 12 anos, sendo desnecessária sua comprovação em cada caso.

Justiça pode adotar medidas executivas atípicas

Nancy Andrighi também apontou que, diante do não pagamento de pensão alimentícia, a segregação social do devedor é uma forma de induzi-lo a quitar a dívida. Entretanto, no caso em julgamento, ao autorizar a devedora a exercer trabalho externo, a relatora avaliou que a segregação total poderia colocar em risco a subsistência do filho sob sua guarda, além de impedi-la de obter os recursos necessários para pagar os alimentos devidos ao outro filho.

Ao mesmo tempo, a ministra autorizou a adoção de medidas executivas atípicas para coagir a devedora a quitar a obrigação. "A conversão da prisão, de regime fechado para regime domiciliar, não impede, mas, ao revés, autoriza a aplicação, inclusive cumulativa e combinada, de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, nos termos do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, com o propósito de estimular o cumprimento da obrigação de natureza alimentar", concluiu.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. 

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/05052023-Terceira-Turma-admite-prisao-domiciliar-para-devedora-de-alimentos-que-cuida-de-filho-menor.aspx>. Acesso em 05.05.2023

quarta-feira, 26 de abril de 2023

STJ - Corte Especial admite relativizar impenhorabilidade do salário para pagamento de dívida não alimentar

STJ - Corte Especial admite relativizar impenhorabilidade do salário para pagamento de dívida não alimentar

Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, em caráter excepcional, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família.

O colegiado acompanhou o relator, ministro João Otávio de Noronha, para quem essa relativização somente deve ser aplicada "quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução", e desde que "avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado".

Condições para afastar a impenhorabilidade dos salários

Os embargos de divergência foram interpostos por um credor contra acórdão da Quarta Turma que indeferiu o pedido de penhora de 30% do salário do executado – em torno de R$ 8.500. A dívida objeto da execução tem origem em cheques de aproximadamente R$ 110 mil.

A Quarta Turma entendeu que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial comporta exceção nas seguintes hipóteses: a) para o pagamento de prestação alimentícia de qualquer origem, independentemente do valor da remuneração recebida; e b) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto. Em ambas as situações, deve ser preservado percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família.

Contudo, o credor apontou precedentes da Corte Especial e da Terceira Turma que condicionaram o afastamento do caráter absoluto da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial apenas ao fato de a medida constritiva não comprometer a subsistência digna do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado.

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a divergência estava em definir se a impenhorabilidade, na hipótese de dívida de natureza não alimentar, estaria condicionada apenas à garantia do mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família ou se, além disso, deveria ser observado o limite mínimo de 50 salários mínimos recebidos pelo devedor.

É possível a relativização da regra da impenhorabilidade do artigo 833 do CPC

Para o relator, o Código de Processo Civil (CPC), ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, passou a tratar a impenhorabilidade como relativa, "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade".

O ministro afirmou que esse juízo de ponderação deve ser feito à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de razoabilidade e da proporcionalidade.

"A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família", disse.

Dessa forma, o relator entendeu que é possível a relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):EREsp 1874222

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/25042023-Corte-Especial-admite-relativizar-impenhorabilidade-do-salario-para-pagamento-de-divida-nao-alimentar.aspx>.Acesso em 26.04.2023


 

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