segunda-feira, 19 de setembro de 2022

STJ - Para Terceira Seção, responsabilização penal de empresa não é transferida com incorporação.

STJ - Para Terceira Seção, responsabilização penal de empresa não é transferida com incorporação

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que a responsabilização penal de empresa incorporada não pode ser transferida à sociedade incorporadora. O colegiado fixou o entendimento de que o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, pode ser aplicado às pessoas jurídicas.

De acordo com o processo, o Ministério Público do Paraná ofereceu denúncia contra uma sociedade empresária agrícola, imputando-lhe a prática do delito previsto no artigo 54, parágrafo 2º, inciso V, da Lei 9.605/1998, pelo suposto descarte de resíduos sólidos em desconformidade com as exigências da legislação estadual. A controvérsia que chegou ao STJ diz respeito ao fato de a empresa acusada originariamente ter sido incorporada por outra.

Após a decisão que rejeitou as preliminares da defesa, a empresa incorporadora impetrou mandado de segurança, alegando a extinção da punibilidade diante do encerramento da personalidade jurídica da ré originária da ação penal – a sociedade empresarial agrícola. Assim, por aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do Código Penal (CP), que trata da morte do réu, seria inviável o prosseguimento da ação contra a incorporadora. O Tribunal de Justiça do Paraná concedeu a segurança.

No recurso encaminhado ao STJ, o Ministério Público sustentou que tanto o princípio da intranscendência da pena como o artigo 107, inciso I, do CP têm incidência restrita às pessoas naturais, únicas capazes de morrer, sobretudo porque as penas patrimoniais previstas na Lei 9.605/1998 poderiam ser assumidas pela incorporadora.

Pretensão punitiva estatal não se confunde com obrigações transmissíveis

O relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, observou que a incorporação é uma operação societária típica, por meio da qual apenas a sociedade empresária incorporadora continuará a existir, na qualidade de sucessora de todas as relações patrimoniais da incorporada, cuja personalidade jurídica é extinta.

O magistrado apontou que a sucessão da incorporada pela incorporadora se opera quanto a direitos e obrigações compatíveis com a natureza da incorporação, conforme se conclui a partir dos artigos 1.116 do Código Civil e 227 da Lei 6.404/1976.

"A pretensão punitiva estatal não se enquadra no conceito jurídico-dogmático de obrigação patrimonial transmissível, tampouco se confunde com o direito à reparação civil dos danos causados ao meio ambiente. Logo, não há norma que autorize a transferência da responsabilidade penal à incorporadora", declarou Ribeiro Dantas.

Princípio da intranscendência da pena vale também para pessoas jurídicas

Para o relator, a extinção legal da pessoa jurídica ré – sem nenhum indício de fraude – leva à aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do CP, com o consequente término da punibilidade.

O ministro destacou, ainda, que o princípio da intranscendência da pena pode ser aplicado às pessoas jurídicas, o que reforça a tese de que a empresa incorporadora não deve ser responsabilizada penalmente pelos crimes da incorporada.

"Se o direito penal brasileiro optou por permitir a responsabilização criminal dos entes coletivos, mesmo com as peculiaridades decorrentes da ausência de um corpo biológico, não pode ser negada a eles a aplicação de garantias fundamentais utilizando-se dessas mesmas peculiaridades como argumento", concluiu o relator ao negar provimento ao recurso especial do Ministério Público. 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1977172

Fonte disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/19092022-Para-Terceira-Secao--responsabilizacao-penal-de-empresa-nao-e-transferida-com-incorporacao.aspx>. Acesso em 19.09.2022


segunda-feira, 29 de agosto de 2022

STJ: Asilo inviolável, mas nem sempre: o STJ e o ingresso policial em domicílio

Asilo inviolável, mas nem sempre: o STJ e o ingresso policial em domicílio

A entrada de forças policiais na residência do investigado é, provavelmente, um dos momentos de maior tensão entre o interesse público – nesse caso, a pretensão do Estado de manter a ordem, investigar e punir ilícitos – e as garantias individuais, como a intimidade, a privacidade e a inviolabilidade do domicílio.  

Quando o ingresso policial é amparado em mandado judicial – apesar de também haver momentânea mitigação do princípio da inviolabilidade domiciliar –, há menos discussão nos tribunais e na esfera doutrinária sobre eventual ilegalidade; a controvérsia principal se dá nas situações em que a entrada dos agentes não é precedida de autorização judicial, como em situações de alegado flagrante.  

No caso do ingresso sem mandado, são comuns os pedidos de anulação das provas obtidas na diligência em virtude de aspectos como a falta de consentimento do morador ou a inexistência da comprovação de investigações prévias que embasassem a ação policial.  

Afinal, quais são os critérios para o ingresso da polícia em uma residência? Em meio a esse debate, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem corrigido ilegalidades e fixado parâmetros para evitar que elas ocorram.

Ordem genérica contra moradores de comunidades pobres

Em 2019, a Sexta Turma do STJ, no julgamento de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, anulou uma autorização judicial para busca e apreensão coletiva em residências de comunidades pobres do Rio de Janeiro. O colegiado considerou que a ordem, genérica e indiscriminada, não identificava os nomes de investigados nem os endereços específicos que deveriam ser objeto da diligência policial.

Segundo a Defensoria, a medida foi tomada em 2017 após a morte de um policial, para que os agentes tentassem encontrar armas, documentos, celulares e outras provas contra facções criminosas.

O relator do HC 435.934, ministro Sebastião Reis Júnior, afirmou que "não é possível a concessão de ordem indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência. A carta branca à polícia é inadmissível, devendo-se respeitar os direitos individuais. A suspeita de que na comunidade existam criminosos e que crimes estejam sendo praticados diariamente, por si só, não autoriza que toda e qualquer residência do local seja objeto de busca e apreensão".

Leia também: Sexta Turma considera ilegal busca e apreensão coletiva em comunidades pobres do Rio

De acordo com o ministro, o mandado de busca e apreensão deve ter objetivo certo e pessoa determinada. A falta de individualização das medidas contrariou vários dispositivos legais, inclusive o artigo 5°, XI, da Constituição Federal, que traz como direito fundamental a inviolabilidade do domicílio.

Busca e apreensão em apartamento desabitado sem autorização judicial 

A Quinta Turma, no HC 588.445, entendeu não haver nulidade na busca feita por policiais, sem mandado judicial, em apartamento que não revelava sinais de habitação e sobre o qual havia fundada suspeita de servir para a prática de crime permanente.

Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, a proteção constitucional da casa, independentemente de seu formato e sua localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel, pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação – ainda que de forma transitória, pois o bem jurídico tutelado é a intimidade da vida privada.

No caso, o ministro verificou que houve uma denúncia anônima sobre armazenamento de drogas e de armas, e também informações dos vizinhos de que não haveria residentes no imóvel. Segundo os autos, a polícia teria feito uma vistoria externa, na qual não foram identificados indícios de ocupação por moradores, mas foi visualizada parte do material ilícito. Quando a força policial entrou no local, encontrou grande quantidade de drogas.

Segundo o magistrado, o crime de tráfico de drogas, na modalidade de guardar ou ter entorpecentes em depósito, possui natureza permanente. "Tal fato torna legítima a entrada de policiais em domicílio para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva capazes de demonstrar a ocorrência de situação flagrancial", afirmou.

Ingresso em residência sem mandado e sem indícios suficientes de crime

Em 2017, a Sexta Turma negou provimento ao REsp 1.574.681, interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, e manteve a absolvição de um homem acusado de tráfico de drogas, ao reconhecer a ilicitude da prova colhida em busca realizada no interior de sua residência sem autorização judicial.

De acordo com o processo, o denunciado, ao avistar policiais militares em patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de venda de drogas, correu para dentro da casa, onde foi abordado.

Após buscas na residência, os policiais encontraram 18 pedras de crack. Pelo crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, o morador foi condenado, em primeira instância, à pena de quatro anos e dois meses de reclusão, em regime inicial semiaberto. O Tribunal de Justiça, no entanto, absolveu o acusado por considerar ilícita a violação domiciliar.

Para o relator do recurso da acusação, ministro Rogerio Schietti Cruz, o contexto fático anterior à invasão não permitia a conclusão da ocorrência de crime no interior da residência que justificasse o ingresso dos agentes.

De acordo com o ministro, os policiais até poderiam ter abordado o suspeito em via pública para averiguação, mas a simples intuição quando à prática de tráfico não configura, por si só, justa causa capaz de autorizar o ingresso em domicílio sem o consentimento do morador – que deve ser mínima e seguramente comprovado – e sem determinação judicial.

O relator reconheceu que o combate ao crime organizado exige uma postura mais enérgica por parte das autoridades, mas afirmou que a coletividade, "sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente", precisa ver preservados "seus mínimos direitos e suas garantias constitucionais".

Dúvida sobre autorização do morador para entrada na casa

No julgamento do HC 674.139, em fevereiro deste ano, a Sexta Turma estabeleceu que, em caso de dúvidas entre a versão da polícia – que diz ter sido autorizada a ingressar na residência – e a do morador – que diz ter sido induzido em erro pelos agentes –, deve prevalecer esta última. Com esse entendimento, o colegiado reconheceu a ilegalidade das provas supostamente colhidas em uma diligência e concedeu habeas corpus para absolver um acusado por tráfico de drogas.

O morador relatou que os policiais afirmaram estar procurando um assaltante e lhe pediram para abrir o portão. Segundo ele, após atender ao pedido, os policiais passaram a procurar drogas, mas – afirmou – não teriam encontrado nada. Por outro lado, os policiais narraram que, após denúncia recebida pela central, foram ao local e viram o réu saindo de motociclo com um revólver. Ao ser informado da denúncia, ele teria admitido haver drogas em casa e autorizado a entrada dos agentes, que encontraram tabletes de maconha e porções de cocaína.

O relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti, recordou que a inviolabilidade de domicílio é direito fundamental previsto constitucionalmente e que a sua violação não pode ser legitimada pela simples constatação de situação de flagrância posterior ao ingresso não autorizado.

Ele destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 603.616, com repercussão geral, decidiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado só é lícito quando amparado em fundadas razões, com lastro em circunstâncias objetivas que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente e de nulidade das provas obtidas.

"Caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador. Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo", afirmou o magistrado.

Teoria da aparência e a autorização de ingresso em residência

No entanto, havendo a autorização de parente hospedado em domicílio particular, é legítima a entrada de policiais no local sem mandado judicial.

Com esse entendimento, a Quinta Turma, no julgamento do RHC 141.544, manteve uma ação penal contra mãe e filho suspeitos de tráfico de drogas. A investigação partiu de denúncia anônima sobre o plantio de maconha em propriedade rural localizada em São José dos Pinhais (PR). A revista foi autorizada por uma mulher que estava na casa e se identificou como nora da dona da chácara. Os policiais encontraram no local 155 pés de maconha, 780g de sementes e utensílios utilizados na estufa para o cultivo da planta.

Para o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, mesmo a autorização tendo sido dada por pessoa não residente no imóvel – no caso, uma hóspede não eventual –, essa situação não é capaz, por si só, de tornar ilícita a ação policial. Para o ministro, deve-se aplicar ao caso a teoria da aparência, pois quem autorizou o ingresso dos agentes foi a ex-companheira do filho da proprietária, que se referiu a ela como "sogra".

O ministro explicou também que, por ser crime permanente, quem guarda drogas em casa está em situação de flagrante. "Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva", afirmou.

Desvio de finalidade após a invasão do domicílio

Por se tratar de medida invasiva e que restringe o direito fundamental à intimidade, o ingresso em morada alheia deve se limitar ao estritamente necessário para cumprir a sua finalidade, conforme estabelece o artigo 248 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual, "em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência".

No julgamento do HC 663.055, a Sexta Turma considerou ilícitas as provas colhidas em uma caixa no interior de residência (drogas e uma munição calibre .32), uma vez que os policiais ali entraram sem ordem judicial e sem haver uma situação que justificasse a invasão.

De acordo com o processo, o morador foi abordado na rua pela polícia e, tentando esconder o fato de já ter registro de envolvimento com drogas, identificou-se com dados de seu irmão, sem saber que contra este havia um mandado de prisão em aberto. Ao ser informado da existência do mandado, o morador conseguiu fugir. Enquanto uma equipe policial o procurava, outra foi à sua casa, onde procedeu a uma minuciosa revista.

Para o relator no STJ, ministro Rogerio Schietti, nenhuma circunstância do caso justificava o ingresso dos policiais na residência sem autorização judicial – nem o crime de falsa identidade, pois os agentes ainda não sabiam que o suspeito havia mentido; nem o mandado de prisão, pois não foi respeitado o artigo 293 do CPP, e a polícia nem mesmo sabia se o fugitivo estava ou não ali.

Além disso, o ministro observou que, mesmo se admitida a possibilidade de ingresso no domicílio para cumprimento do mandado de prisão ou até por flagrante do crime de falsa identidade, houve desvirtuamento da finalidade do ato, porque as drogas e a munição foram apreendidas em uma caixa de papelão que estava no chão de um dos quartos – evidência de que não houve mero encontro fortuito enquanto se procurava pelo fugitivo.

"Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade", disse o magistrado.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 435934HC 588445REsp 1574681HC 674139RHC 141544HC 663055

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28082022-Asilo-inviolavel--mas-nem-sempre-o-STJ-e-o-ingresso-policial-em-domicilio.aspx>. Acesso em 29.08.2022 


domingo, 7 de agosto de 2022

Responder a inquérito policial não é motivo suficiente para desclassificação em concurso público

Responder a inquérito policial não é motivo suficiente para desclassificação em concurso público

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que o fato de o candidato responder a inquérito policial, por si só, não o desqualifica para o ingresso em cargo público.

A decisão teve como base a tese firmada em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 560.900, na qual ficou definido que, "sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal".

Princípio da presunção de inocência versus previsão editalícia

Segundo o processo, o candidato foi eliminado na fase de investigação social no concurso para o cargo de agente de segurança penitenciário, por responder a inquérito policial pela suposta prática de estelionato. De acordo com a acusação, em ação comandada por um vizinho, ele teria se passado por funcionário de uma empresa para receber mercadoria destinada a ela.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou que não houve ilegalidade na eliminação, pois o edital previa a contraindicação dos candidatos que não apresentassem idoneidade e conduta ilibada, sendo que, no caso em discussão, chegou a haver prisão em flagrante.

Ao STJ, o candidato sustentou que a banca examinadora, ao eliminá-lo, violou o princípio da presunção de inocência. Por sua vez, o Estado de Minas Gerais alegou que a exclusão se deu em obediência às normas regulamentadoras do concurso, que devem prevalecer entre as partes, porque foram estabelecidas pela administração pública e admitidas pelos participantes do certame. Asseverou, ainda, ser a conduta do candidato incompatível com o cargo pretendido.

Não estão presentes as situações excepcionais previstas no precedente do STF

Relator do recurso no STJ, o ministro Gurgel de Faria destacou que, de fato, o STF, ao decidir de forma vinculativa no RE 560.900, ressalvou que a lei pode instituir requisitos mais rigorosos para determinados cargos, em razão da relevância das atribuições envolvidas, como é o caso das carreiras da magistratura, das funções essenciais à Justiça e da segurança pública.

Porém, lembrou que aquela corte vedou, em qualquer caso, a valoração negativa de simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade – o que não ocorreu na situação analisada, visto que o candidato respondia a um único inquérito policial e a administração nem apresentou informações sobre seu eventual desfecho.

"Ainda que absolutamente reprovável a conduta imputada ao recorrente, inexiste o cenário de exceção reservado pelo precedente do Supremo a situações completamente desfavoráveis ao candidato. Entender de modo contrário implica o risco de a exceção se tornar a regra, desvirtuando a razão do precedente e provocando insegurança jurídica", concluiu Gurgel de Faria.

O magistrado também ponderou que, segundo se infere do processo, os fatos chegaram ao conhecimento da banca examinadora pelo próprio candidato, que não omitiu a situação. 

Leia o acordão do RMS 51.675. 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RMS 51675

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/05082022-Responder-a-inquerito-policial-nao-e-motivo-suficiente-para-desclassificacao-em-concurso-publico-.aspx>. Acesso em 07.08.2022


quarta-feira, 15 de junho de 2022

Sexta Turma DO STJ dá salvo-conduto para pacientes cultivarem Cannabis com fim medicinal

Sexta Turma do STJ dá salvo-conduto para pacientes cultivarem Cannabis com fim medicinal


Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu salvo-conduto para garantir a três pessoas que possam cultivar Cannabis sativa (maconha) com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem o risco de sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do Judiciário.

Ao julgar dois recursos sobre o tema, um de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz (em segredo de Justiça) e o outro do ministro Sebastião Reis Júnior, o colegiado concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas.

Os casos julgados pela turma dizem respeito a três pessoas que já usam o canabidiol – uma para transtorno de ansiedade e insônia; outra para sequelas do tratamento de câncer, e outra para insônia, ansiedade generalizada e outras enfermidades – e têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar a substância. No entanto, elas alegaram dificuldade para continuar o tratamento, em razão do alto custo da importação.

Segundo o ministro Schietti, uma vez que a produção artesanal do óleo da Cannabis sativa se destina a fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo assinado por médico e chancelado pela Anvisa ao autorizar a importação, "não há dúvidas de que deve ser obstada a repressão criminal" sobre a conduta dessas pessoas.

Para o ministro Sebastião Reis Júnior, as normas penais relativas às drogas procuram tutelar a saúde da coletividade, mas esse risco não se verifica quando a medicina prescreve as plantas psicotrópicas para o tratamento de doenças.
Laudo médico dispensa realização de perícia


Em um dos casos, o Ministério Público Federal recorreu ao STJ após o Tribunal Regional Federal da 3ª Região dar provimento a recurso e conceder habeas corpus preventivo para permitir o plantio da maconha e a produção artesanal do óleo. O órgão de acusação alegou, entre outros pontos, que o habeas corpus não seria a via processual adequada para esse tipo de pedido, pois a falta de regulamentação de tais atividades seria uma questão eminentemente administrativa.

No recurso, o Ministério Público argumentou que o pedido dos pacientes exigiria a produção de provas – que é vedada em habeas corpus –, inclusive a realização de perícia médica.

Segundo Schietti, a necessidade de produção de provas foi afastada no caso, tendo em vista que os pacientes apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, as quais foram consideradas suficientes pelo tribunal de segunda instância – como o fato de que estavam autorizados anteriormente pela Anvisa para importar medicamento com base em extrato de canabidiol para tratar doenças comprovadas por laudos médicos.

Em acréscimo, o ministro lembrou que, no julgamento do Tema 106 dos recursos repetitivos, o STJ decidiu que o fornecimento de medicamentos por parte do poder público pode ser determinado com base em laudo subscrito pelo próprio médico que assiste o paciente, sem necessidade de perícia oficial.
Omissão para regulamentar uso da Cannabis para fins medicinais

Schietti destacou que, embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, que as autoridades competentes autorizem a cultura de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, a matéria ainda não tem regulamentação específica.

Para o magistrado, a omissão dos órgãos públicos "torna praticamente inviável o tratamento médico prescrito aos pacientes, haja vista o alto custo da importação, a irregularidade no fornecimento do óleo nacional e a impossibilidade de produção artesanal dos medicamentos prescritos".

O ministro Sebastião Reis Júnior acrescentou que essa omissão regulamentar cria uma segregação entre os doentes que podem custear o tratamento, importando os medicamentos à base de canabidiol, e os que não podem.

"A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, entre outros, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma legal incriminadora, o uso medicinal, científico, ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares", declarou.
Conduta não é penalmente típica

Rogerio Schietti analisou que a conduta para a qual se pediu o salvo-conduto não é penalmente típica, "seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública)".

Ao invés de atentar contra a saúde pública, afirmou o ministro, na verdade, a intenção desse cultivo é promovê-la, a partir da extração de produtos medicamentosos.

"Ainda que o plantio de Cannabis para fins medicinais (e a prévia importação de sementes) possa se adequar formalmente aos tipos penais previstos nos artigos 28, parágrafo 1º, e 33, parágrafo 1º, II, da Lei de Drogas, ou mesmo no artigo 334-A do Código Penal (contrabando) – o que justifica o cabimento de habeas corpus, diante do risco potencial de responsabilização criminal dos pacientes –, não há, sob os aspectos subjetivo e material, tipicidade na conduta, tanto por falta de dolo quanto à extração de substâncias entorpecentes a partir da referida planta, como por absoluta falta de lesividade à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido em nosso ordenamento jurídico", concluiu.

Em complemento, Sebastião Reis Júnior ponderou que a tipificação penal do cultivo de planta psicotrópica está relacionada à sua finalidade. "A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, visto que, nesse caso, coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio, visto que a finalidade aqui é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina".

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14062022-Sexta-Turma-da-salvo-conduto-para-pacientes-cultivarem-Cannabis-com-fim-medicinal.aspx>. Aceso em 15.6.22


terça-feira, 7 de junho de 2022

Morre um direito, nasce outro: os institutos da supressio e da surrectio na interpretação do STJ - Deveres parcelares da Boa-fé Objetiva

Morre um direito, nasce outro: os institutos da supressio e da surrectio na interpretação do STJ

Relacionados à prolongada omissão no exercício de um direito, os institutos da supressio e da surrectio podem ser definidos como duas faces da mesma moeda: ao mesmo tempo em que, após o decurso de prazo extenso, uma pessoa perde determinado direito por não exercê-lo (supressio), surge o direito correspondente, pelo exercício reiterado, para a outra parte (surrectio).  

Como disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.338.432, em 2017, na Quarta Turma, "a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento". 

Para a professora e advogada Judith Martins-Costa, citada pelo ministro, a supressio "indica o encobrimento de uma pretensão, coibindo-se o exercício do direito em razão do seu não exercício, por determinado período de tempo, com a consequente criação da legítima expectativa, à contraparte, de que o mesmo não seria utilizado".

Distribuidora ficou seis anos sem exigir obrigação contratual

No caso analisado pela Quarta Turma em 2017, uma distribuidora de combustível ajuizou ação contra um posto para cobrar multa em razão do descumprimento do contrato pactuado quase seis anos antes. Segundo alegou, ela fez os investimentos acordados, mas o posto não teria cumprido a obrigação de comprar, com exclusividade, quantidades mínimas mensais de derivados de petróleo e de álcool hidratado.

De acordo com Salomão, relator, o longo transcurso de tempo, sem a cobrança da obrigação de compra de quantidades mínimas mensais de combustível, suprimiu, de um lado, a faculdade jurídica da distribuidora (promitente vendedora) de exigir a prestação; de outro, criou uma situação de vantagem para o posto varejista (promissário comprador), cujo inadimplemento não poderá implicar a incidência da cláusula penal compensatória contratada.

"A inércia da autora em exigir o adimplemento da obrigação pactuada, somada ao longo decurso do tempo (quase seis anos), configura, a meu ver, as figuras da supressio e da surrectio" – afirmou o ministro ao julgar improcedente o pedido de cobrança da distribuidora.

Inércia do locador dispensa loja dos reajustes retroativos, mas não dos futuros

Em 2019, no julgamento do REsp 1.803.278, a Terceira Turma aplicou o instituto da supressio ao caso de uma empresa, locadora de imóvel para uma loja, que pretendia exigir os valores correspondentes a reajustes que ela não cobrou durante cinco anos de aluguel. A locatária sustentou que a inércia da locadora levou à incidência do instituto, tanto em relação aos retroativos quanto em relação aos valores posteriores à notificação extrajudicial, mas essa segunda parte de sua tese não foi aceita pelo STJ. ​​​​​​​​​​​​

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, para a configuração da supressio, são necessários três requisitos: a) inércia do titular do direito subjetivo; b) decurso de tempo capaz de gerar a expectativa de que esse direito não mais seria exercido; e c) deslealdade em decorrência de seu exercício posterior, com reflexos no equilíbrio da relação contratual.

Na avaliação do magistrado, a empresa locadora não gerou no locatário a expectativa de que não haveria a atualização do valor do aluguel durante todo o período de 20 anos do contrato, mas deixou de cobrar os reajustes ao longo dos cinco anos iniciais, o que apenas sugeriria que o valor correspondente a esse período não seria mais cobrado.

Para o relator, não é razoável supor que a locatária tivesse criado a expectativa de que a locadora não fosse mais exigir o reajuste dos aluguéis. "Assim, o decurso do tempo não foi capaz de gerar a confiança de que o direito não seria mais exercitado em momento algum do contrato de locação", afirmou Villas Bôas Cueva.

Aplicação da supressio em direitos autorais

No julgamento do REsp 1.643.203, a Terceira Turma aplicou o instituto da supressio para negar indenização de direitos autorais após mais de 40 anos de utilização da obra sem cobrança. Os ministros negaram o pedido de um compositor para que a Rádio Globo e a Globo Comunicação e Participações fossem condenadas a pagar indenização pelo uso de vinhetas como "Rádio Globooo" e "Fluminenseee", criadas por ele em 1969 e veiculadas permanentemente na programação da emissora desde então.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator, o fato de os direitos autorais serem vitalícios não é suficiente para afastar a incidência da supressio, "impondo-se, contudo, uma análise da boa-fé objetiva compatível com os fundamentos essenciais e principiológicos dos direitos autorais".

Segundo o ministro, as vinhetas foram usadas como marca sonora da Rádio Globo desde a sua criação, com conhecimento e consentimento do autor. Essa relação amistosa de utilização da obra protegida, disse, gerou na emissora a expectativa legítima de que poderia aproveitar os jingles na programação – até que, décadas depois, o compositor modificasse sua postura de forma abrupta.

"O que se verifica é que a parte utente agiu sempre de forma condizente com a boa-fé objetiva; seus atos externados e indicados pelo próprio recorrente evidenciam que ela acreditava utilizar a obra de forma gratuita, lícita e contratualmente consentida, tanto que reiteradamente reconhecia a autoria das vinhetas publicamente", concluiu o ministro.

Supressio é uma forma de responsabilidade pela confiança

Por verificar a caracterização da supressio, a Terceira Turma, no julgamento do  REsp 1.879.503, manteve um ex-empregado – desligado há mais de dez anos – e sua esposa em plano de saúde originalmente contratado pela empresa em que ele trabalhava. Embora seja de dois anos o tempo máximo de permanência do empregado demitido no plano coletivo – como previsto no artigo 30, parágrafo 1º, da Lei 9.656/1998 –, o ex-empregador manteve a assistência para o casal por mais de uma década, tendo os beneficiários assumido o pagamento integral das contribuições.

Para o colegiado, o longo tempo de permanência no plano despertou nos beneficiários a confiança de que não perderiam a assistência à saúde, de modo que a sua exclusão, passada uma década do desligamento profissional e quando eles já estavam em idade avançada, violou o princípio da boa-fé objetiva.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, segundo o princípio da responsabilidade pela confiança – uma das vertentes da boa-fé objetiva –, aquele que origina a confiança de alguém deve responder, em certas circunstâncias, pelos danos causados.

A magistrada citou como exemplo de responsabilidade pela confiança a supressio – entendida como um "não exercício abusivo do direito"–, a qual indica a possibilidade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o credor, por não a exigir, fizer surgir no devedor a legítima expectativa de que essa supressão se prorrogará no tempo. ​​​​​​​​​​​​

Pagamento espontâneo de pensão alimentícia não configura surrectio

Contudo, em julgado de 2019 (sob segredo de Justiça), a Terceira Turma firmou o entendimento de que a obrigação alimentar extinta, mas que continua a ser paga por mera liberalidade do alimentante, não pode ser mantida com fundamento no instituto da surrectio.

No caso em análise, as partes firmaram em 2001 acordo pelo qual o ex-marido se comprometeu a pagar plano de saúde e pensão alimentícia à ex-mulher pelo período de 24 meses. Expirado o prazo – e negado judicialmente o pedido para que a pensão fosse prorrogada por mais 24 meses –, o ex-marido, por conta própria, continuou arcando com a verba alimentícia por cerca de 15 anos. Em 2017, ele decidiu suspender o pagamento.

A ex-mulher ajuizou ação contra o corte, a qual foi acolhida pelo tribunal de segunda instância, que entendeu que o ex-marido teria criado uma expectativa de direito digna de proteção jurídica, em virtude da surrectio.

No voto acompanhado pela maioria da Terceira Turma, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o ex-marido, por espontânea vontade, cooperou com a ex-mulher pelo período desejado, sem a existência de uma obrigação legal. Para o ministro, não houve ilicitude na suspensão do pagamento da pensão, já que não havia mais relação obrigacional entre as partes.

"A boa intenção do recorrente perante a ex-mulher não pode ser interpretada a seu desfavor. Há que prevalecer a autonomia da vontade ante a espontânea solidariedade em análise, cujos motivos são de ordem pessoal e íntima, e, portanto, refogem do papel do Judiciário, que deve se imiscuir sempre com cautela, intervindo o mínimo possível na seara familiar. Assim, ausente o mencionado exercício anormal ou irregular de direito", declarou.

Na sua avaliação, não houve ilicitude na conduta do ex-marido, por inexistir previsão de pagamento eterno dos alimentos e, especialmente, porque ausente a relação obrigacional.

Redução da jornada de trabalho de servidor público não se consolida no tempo

Em 2020, a Segunda Turma negou provimento ao RMS 62.942, no qual um sindicato de Mato Grosso do Sul pedia a aplicação dos institutos da surrectio e da supressio contra o decreto do governador que alterou a jornada de trabalho dos servidores estaduais. A norma determinou o retorno das oito horas diárias, após mais de 15 anos de jornada de seis horas.

Segundo o sindicato, surgiu para a categoria o direito à jornada reduzida de 30 horas semanais, por conta do prazo transcorrido desde o decreto que instituiu a redução temporária – por aplicação da surrectio –, ao mesmo tempo em que a administração perdeu o direito de implementar alterações no regime jurídico no que diz respeito à redução da jornada – aplicação da supressio.

Na avaliação do relator, ministro Francisco Falcão, no entanto, os dois institutos não podem ser invocados para consolidar uma situação temporária de redução de jornada, fazendo surgir o suposto direito a um cargo com contornos diversos daquele para o qual o servidor prestou concurso público. Para o ministro, não se pode "legitimar a perda do direito da administração de rever os seus próprios atos, mormente quando se trata de mero retorno às características do cargo público previsto em lei".

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1338432REsp 1803278REsp 1643203REsp 1879503RMS 62942

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/05062022-Morre-um-direito--nasce-outro-os-institutos-da-supressio-e-da-surrectio-na-interpretacao-do-STJ.aspx>. Acesso em 7.6.22








 

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Para Terceira Turma, atentado contra os pais cometido por menor também é causa de exclusão da herança - CORRETISSIMA!

Para Terceira Turma, atentado contra os pais cometido por menor também é causa de exclusão da herança

​Ao rejeitar o recurso especial de um homem que matou os pais quando tinha 17 anos de idade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que essa conduta está abrangida pela regra do artigo 1.814, inciso I, do Código Civil, que exclui da sucessão quem atenta contra a vida do autor da herança.

Por unanimidade, o colegiado entendeu que a interpretação do dispositivo legal deve ir além da literalidade e considerar os valores éticos que ele protege.

No caso dos autos, a pedido de seus irmãos, o tribunal de segunda instância declarou a indignidade do recorrente e o excluiu da herança deixada pelos pais, ainda que, tecnicamente, não se tratasse de homicídio doloso – como consta da lei –, mas de ato infracional análogo, pois foi cometido na adolescência.
Taxatividade é confundida com interpretação literal

Em razão dessa diferença técnica, o recorrente alegou ao STJ que o ato praticado não se enquadraria nas hipóteses de exclusão da sucessão, as quais estariam taxativamente elencadas na lei e deveriam ser interpretadas estritamente, por serem regras restritivas de direito.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, de acordo com a doutrina majoritária, o rol do artigo 1.814 do Código Civil é taxativo, o que impede a criação de outras hipóteses por meio da analogia ou da interpretação extensiva.

Segundo ela, caso se interpretasse literalmente o dispositivo – que contém a palavra "homicídio" –, o recorrente não seria excluído da sucessão, pois o que houve foi um ato infracional análogo ao crime de homicídio.

No entanto, a magistrada destacou que o fato de ser taxativo não determina que o rol seja interpretado de forma literal. "Frequentemente, confunde-se taxatividade com interpretação literal (cronologicamente a primeira, e substancialmente a mais pobre das técnicas hermenêuticas), o que é um equívoco", afirmou.
Norma baseada em valores éticos e morais

De acordo com a relatora, a exclusão de herdeiro que atenta contra a vida dos pais é uma cláusula geral fundamentada em razões éticas e morais, a qual está presente nas legislações desde o direito romano. No Brasil, explicou a ministra, o núcleo essencial dessa regra é a exigência de que a conduta do herdeiro seja proposital (dolosa), ainda que a morte não se concretize, pois o bem jurídico que se pretende proteger é a vida dos pais.

Dessa forma, apontou Nancy Andrighi, tal norma do Código Civil deve ser entendida como: não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consume, independentemente do motivo.

Diferenciação do âmbito penal não se aplica à exclusão civil do herdeiro

"É por isso que a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso (praticado pelo maior) e o ato análogo ao homicídio doloso (praticado pelo menor), conquanto seja de extrema relevância para o âmbito penal, não se reveste da mesma relevância no âmbito civil", afirmou.

Ela acrescentou que essa diferenciação é pouco relevante, no caso em análise, porque os valores e as finalidades (prevenção e repressão do ilícito) que nortearam a criação da norma civil pressupõem a produção dos mesmos efeitos, independentemente de o ato ter sido cometido por pessoa capaz ou por relativamente incapaz, sob pena de não se atingir a sua finalidade preventiva.

"É incontroverso o fato de que o recorrente, que à época dos fatos possuía 17 anos e seis meses, ceifou propositalmente a vida de seu pai e de sua mãe", concluiu Nancy Andrighi ao manter o  acórdão recorrido.

fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26052022-Para-Terceira-Turma--atentado-contra-os-pais-cometido-por-menor-tambem-e-causa-de-exclusao-da-heranca.aspx>. Acesso em 26.05.2022 

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Advogado que grava depoimento do cliente ao MP, mesmo sem autorização, não comete crime - Decisão Corretíssima

Advogado que grava depoimento do cliente ao MP, mesmo sem autorização, não comete crime


STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento de investigação instaurada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) contra duas advogadas que gravaram, sem autorização, o depoimento de um cliente no procedimento que apura a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O colegiado entendeu que não houve ilegalidade na conduta das profissionais.

Com a decisão, a Quinta Turma anulou todos os atos de investigação e os atos judiciais requeridos no procedimento, inclusive a operação de busca e apreensão realizada nas residências e no escritório das advogadas, às quais deverão ser restituídos os bens ilegalmente apreendidos.

Para o relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, houve abuso de autoridade na instauração do procedimento investigativo do MPRJ contra as advogadas, pois, embora a gravação não autorizada não seja "ética e moralmente louvável", a sua realização, no caso, não foi ilegal, muito menos criminosa.

Realização de escuta ambiental sem autorização

Segundo o processo, em 10 de setembro de 2020, as advogadas acompanharam seu cliente em um depoimento no procedimento investigativo do MP que apura o duplo homicídio contra a vereadora do Rio de Janeiro e seu motorista. Elas gravaram o ato em equipamento próprio.

No dia 18 de dezembro daquele ano, foi realizada busca e apreensão na residência e no escritório de ambas, ocasião em que foram informadas de um procedimento investigativo instaurado no MPRJ para apurar a suposta realização de escuta ambiental – delito tipificado no artigo 10 da Lei 9.296/1996.

Ao STJ, as duas profissionais alegaram atipicidade da conduta, tendo em vista que a gravação do depoimento do cliente estaria em conformidade com o artigo 367, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil (CPC).

Procedimentos administrativos criminais têm natureza de investigação criminal

O ministro Joel Paciornik explicou que os procedimentos administrativos criminais possuem natureza de investigação criminal, diferenciando-se dos inquéritos policiais pela circunstância de terem curso no âmbito do Ministério Público, sem interveniência ou auxílio da autoridade policial.

"Não são meros procedimentos de natureza administrativa, porquanto têm natureza de inquérito e se submetem, sim, ao controle jurisdicional do sistema acusatório previsto no Código de Processo Penal, especialmente para garantia dos direitos fundamentais dos investigados", disse.

Segundo o relator, o MPRJ, para instaurar o procedimento, se baseou na informação de que a gravação feita por uma das advogadas, durante o depoimento de seu cliente, estaria circulando em estabelecimentos penitenciários do estado do Rio.

Gravação ambiental durante depoimento formal

Para o ministro, ainda que a autoria da gravação tenha sido confirmada posteriormente, o sigilo tutelado pela norma do artigo 10 da Lei 9.296/1996 se refere apenas às gravações obtidas a partir de interceptações telefônicas judicialmente autorizadas ou, ainda, à realização de interceptação telefônica ou de escuta ambiental sem a ordem judicial legitimadora.

"A realização da gravação, nas circunstâncias em que levada a efeito – em oitiva formal de assistido seu, oficial e notoriamente registrada em sistema audiovisual pela autoridade administrativa responsável pelo ato –, é legalmente permitida, independentemente de prévia autorização da autoridade incumbida da presidência do ato, nos explícitos termos do artigo 367, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral", afirmou.

O relator ponderou ainda que, por força da aplicação analógica do parágrafo 5º do mesmo artigo, a gravação realizada pelo Ministério Público já deveria ter sido integralmente disponibilizada às advogadas. Portanto, observou, também por esse motivo, não haveria sentido lógico algum em sua responsabilização.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 662690

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/18052022-Advogado-que-grava-depoimento-do-cliente-ao-MP--mesmo-sem-autorizacao--nao-comete-crime.aspx>. Acesso em 18.05.2022


sexta-feira, 13 de maio de 2022

STJ - Impenhorabilidade de bem de família tem de ser alegada antes da assinatura da carta de arrematação

Impenhorabilidade de bem de família tem de ser alegada antes da assinatura da carta de arrematação

STJ DECISÃO
13/05/2022 06:55

Ao negar provimento ao recurso especial interposto por uma devedora, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que é incabível a alegação de impenhorabilidade de bem de família após a realização do leilão judicial do imóvel penhorado e o término da execução, caracterizado pela assinatura do auto de arrematação.

O colegiado considerou que, a partir dessa assinatura, surgem os efeitos do ato de expropriação em relação ao devedor e ao arrematante, independentemente do registro no cartório de imóveis, o qual se destina a consumar a transferência da propriedade com efeitos perante terceiros.

No caso dos autos – uma execução de título extrajudicial –, a devedora invocou a proteção ao bem de família, com base na Lei 8.009/1990, cerca de dois meses depois da arrematação de parte de um imóvel de sua propriedade. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou o pedido, sob o fundamento de que tal alegação deveria ter sido feita antes da arrematação.

Bem leiloado deixa de pertencer ao devedor antes da transferência de propriedade

Ao STJ, a devedora argumentou que, como a carta de arrematação não havia sido registrada na matrícula do imóvel, a execução não teria terminado, de acordo com o artigo 694 do Código de Processo Civil de 1973. Ela também apontou precedentes da corte que teriam admitido a análise da impenhorabilidade do bem de família após a arrematação.

Segundo a ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso na Quarta Turma, após a conclusão do leilão, independentemente do registro da carta de arrematação no cartório, o devedor já não pode desconhecer sua condição de desapropriado do imóvel que antes lhe pertencia.

A magistrada explicou que, lavrado e assinado o auto, a arrematação é considerada perfeita, acabada e irretratável, suficiente para a transferência da propriedade do bem, nos termos do artigo 694 do CPC de 1973.

A ministra observou que, no caso analisado, transcorreram cerca de cinco anos entre a penhora e a assinatura do auto de arrematação, sem que a devedora alegasse que o imóvel seria destinado à residência da família – apesar de ela ter recorrido da penhora. "No caso presente, a execução encontra-se exaurida em relação ao bem arrematado", declarou Gallotti.

Precedentes citados não se aplicam ao caso

A relatora afirmou ainda que a decisão do TJGO está alinhada com a jurisprudência do STJ, no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, que pode ser analisada pelo juiz a qualquer momento – mas apenas antes da assinatura da carta de arrematação do imóvel (AgInt no AREsp 377.850).

Ao manter o acórdão recorrido, a ministra observou que não se aplicam ao caso os precedentes do STJ indicados pela devedora – seja porque não tratam de bem de família, que é regido por lei especial (Lei 8.009/1990), seja porque não examinaram a questão sob o enfoque do artigo 694 do CPC de 1973, fundamento da decisão do TJGO. 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1536888

Fonte: Disponível:<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13052022-Impenhorabilidade-de-bem-de-familia-tem-de-ser-alegada-antes-da-assinatura-da-carta-de-arrematacao.aspx>. Acesso em 13.05.2002 

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