quinta-feira, 26 de maio de 2022

Para Terceira Turma, atentado contra os pais cometido por menor também é causa de exclusão da herança - CORRETISSIMA!

Para Terceira Turma, atentado contra os pais cometido por menor também é causa de exclusão da herança

​Ao rejeitar o recurso especial de um homem que matou os pais quando tinha 17 anos de idade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que essa conduta está abrangida pela regra do artigo 1.814, inciso I, do Código Civil, que exclui da sucessão quem atenta contra a vida do autor da herança.

Por unanimidade, o colegiado entendeu que a interpretação do dispositivo legal deve ir além da literalidade e considerar os valores éticos que ele protege.

No caso dos autos, a pedido de seus irmãos, o tribunal de segunda instância declarou a indignidade do recorrente e o excluiu da herança deixada pelos pais, ainda que, tecnicamente, não se tratasse de homicídio doloso – como consta da lei –, mas de ato infracional análogo, pois foi cometido na adolescência.
Taxatividade é confundida com interpretação literal

Em razão dessa diferença técnica, o recorrente alegou ao STJ que o ato praticado não se enquadraria nas hipóteses de exclusão da sucessão, as quais estariam taxativamente elencadas na lei e deveriam ser interpretadas estritamente, por serem regras restritivas de direito.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, de acordo com a doutrina majoritária, o rol do artigo 1.814 do Código Civil é taxativo, o que impede a criação de outras hipóteses por meio da analogia ou da interpretação extensiva.

Segundo ela, caso se interpretasse literalmente o dispositivo – que contém a palavra "homicídio" –, o recorrente não seria excluído da sucessão, pois o que houve foi um ato infracional análogo ao crime de homicídio.

No entanto, a magistrada destacou que o fato de ser taxativo não determina que o rol seja interpretado de forma literal. "Frequentemente, confunde-se taxatividade com interpretação literal (cronologicamente a primeira, e substancialmente a mais pobre das técnicas hermenêuticas), o que é um equívoco", afirmou.
Norma baseada em valores éticos e morais

De acordo com a relatora, a exclusão de herdeiro que atenta contra a vida dos pais é uma cláusula geral fundamentada em razões éticas e morais, a qual está presente nas legislações desde o direito romano. No Brasil, explicou a ministra, o núcleo essencial dessa regra é a exigência de que a conduta do herdeiro seja proposital (dolosa), ainda que a morte não se concretize, pois o bem jurídico que se pretende proteger é a vida dos pais.

Dessa forma, apontou Nancy Andrighi, tal norma do Código Civil deve ser entendida como: não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consume, independentemente do motivo.

Diferenciação do âmbito penal não se aplica à exclusão civil do herdeiro

"É por isso que a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso (praticado pelo maior) e o ato análogo ao homicídio doloso (praticado pelo menor), conquanto seja de extrema relevância para o âmbito penal, não se reveste da mesma relevância no âmbito civil", afirmou.

Ela acrescentou que essa diferenciação é pouco relevante, no caso em análise, porque os valores e as finalidades (prevenção e repressão do ilícito) que nortearam a criação da norma civil pressupõem a produção dos mesmos efeitos, independentemente de o ato ter sido cometido por pessoa capaz ou por relativamente incapaz, sob pena de não se atingir a sua finalidade preventiva.

"É incontroverso o fato de que o recorrente, que à época dos fatos possuía 17 anos e seis meses, ceifou propositalmente a vida de seu pai e de sua mãe", concluiu Nancy Andrighi ao manter o  acórdão recorrido.

fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26052022-Para-Terceira-Turma--atentado-contra-os-pais-cometido-por-menor-tambem-e-causa-de-exclusao-da-heranca.aspx>. Acesso em 26.05.2022 

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Advogado que grava depoimento do cliente ao MP, mesmo sem autorização, não comete crime - Decisão Corretíssima

Advogado que grava depoimento do cliente ao MP, mesmo sem autorização, não comete crime


STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento de investigação instaurada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) contra duas advogadas que gravaram, sem autorização, o depoimento de um cliente no procedimento que apura a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O colegiado entendeu que não houve ilegalidade na conduta das profissionais.

Com a decisão, a Quinta Turma anulou todos os atos de investigação e os atos judiciais requeridos no procedimento, inclusive a operação de busca e apreensão realizada nas residências e no escritório das advogadas, às quais deverão ser restituídos os bens ilegalmente apreendidos.

Para o relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, houve abuso de autoridade na instauração do procedimento investigativo do MPRJ contra as advogadas, pois, embora a gravação não autorizada não seja "ética e moralmente louvável", a sua realização, no caso, não foi ilegal, muito menos criminosa.

Realização de escuta ambiental sem autorização

Segundo o processo, em 10 de setembro de 2020, as advogadas acompanharam seu cliente em um depoimento no procedimento investigativo do MP que apura o duplo homicídio contra a vereadora do Rio de Janeiro e seu motorista. Elas gravaram o ato em equipamento próprio.

No dia 18 de dezembro daquele ano, foi realizada busca e apreensão na residência e no escritório de ambas, ocasião em que foram informadas de um procedimento investigativo instaurado no MPRJ para apurar a suposta realização de escuta ambiental – delito tipificado no artigo 10 da Lei 9.296/1996.

Ao STJ, as duas profissionais alegaram atipicidade da conduta, tendo em vista que a gravação do depoimento do cliente estaria em conformidade com o artigo 367, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil (CPC).

Procedimentos administrativos criminais têm natureza de investigação criminal

O ministro Joel Paciornik explicou que os procedimentos administrativos criminais possuem natureza de investigação criminal, diferenciando-se dos inquéritos policiais pela circunstância de terem curso no âmbito do Ministério Público, sem interveniência ou auxílio da autoridade policial.

"Não são meros procedimentos de natureza administrativa, porquanto têm natureza de inquérito e se submetem, sim, ao controle jurisdicional do sistema acusatório previsto no Código de Processo Penal, especialmente para garantia dos direitos fundamentais dos investigados", disse.

Segundo o relator, o MPRJ, para instaurar o procedimento, se baseou na informação de que a gravação feita por uma das advogadas, durante o depoimento de seu cliente, estaria circulando em estabelecimentos penitenciários do estado do Rio.

Gravação ambiental durante depoimento formal

Para o ministro, ainda que a autoria da gravação tenha sido confirmada posteriormente, o sigilo tutelado pela norma do artigo 10 da Lei 9.296/1996 se refere apenas às gravações obtidas a partir de interceptações telefônicas judicialmente autorizadas ou, ainda, à realização de interceptação telefônica ou de escuta ambiental sem a ordem judicial legitimadora.

"A realização da gravação, nas circunstâncias em que levada a efeito – em oitiva formal de assistido seu, oficial e notoriamente registrada em sistema audiovisual pela autoridade administrativa responsável pelo ato –, é legalmente permitida, independentemente de prévia autorização da autoridade incumbida da presidência do ato, nos explícitos termos do artigo 367, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral", afirmou.

O relator ponderou ainda que, por força da aplicação analógica do parágrafo 5º do mesmo artigo, a gravação realizada pelo Ministério Público já deveria ter sido integralmente disponibilizada às advogadas. Portanto, observou, também por esse motivo, não haveria sentido lógico algum em sua responsabilização.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 662690

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/18052022-Advogado-que-grava-depoimento-do-cliente-ao-MP--mesmo-sem-autorizacao--nao-comete-crime.aspx>. Acesso em 18.05.2022


sexta-feira, 13 de maio de 2022

STJ - Impenhorabilidade de bem de família tem de ser alegada antes da assinatura da carta de arrematação

Impenhorabilidade de bem de família tem de ser alegada antes da assinatura da carta de arrematação

STJ DECISÃO
13/05/2022 06:55

Ao negar provimento ao recurso especial interposto por uma devedora, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que é incabível a alegação de impenhorabilidade de bem de família após a realização do leilão judicial do imóvel penhorado e o término da execução, caracterizado pela assinatura do auto de arrematação.

O colegiado considerou que, a partir dessa assinatura, surgem os efeitos do ato de expropriação em relação ao devedor e ao arrematante, independentemente do registro no cartório de imóveis, o qual se destina a consumar a transferência da propriedade com efeitos perante terceiros.

No caso dos autos – uma execução de título extrajudicial –, a devedora invocou a proteção ao bem de família, com base na Lei 8.009/1990, cerca de dois meses depois da arrematação de parte de um imóvel de sua propriedade. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou o pedido, sob o fundamento de que tal alegação deveria ter sido feita antes da arrematação.

Bem leiloado deixa de pertencer ao devedor antes da transferência de propriedade

Ao STJ, a devedora argumentou que, como a carta de arrematação não havia sido registrada na matrícula do imóvel, a execução não teria terminado, de acordo com o artigo 694 do Código de Processo Civil de 1973. Ela também apontou precedentes da corte que teriam admitido a análise da impenhorabilidade do bem de família após a arrematação.

Segundo a ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso na Quarta Turma, após a conclusão do leilão, independentemente do registro da carta de arrematação no cartório, o devedor já não pode desconhecer sua condição de desapropriado do imóvel que antes lhe pertencia.

A magistrada explicou que, lavrado e assinado o auto, a arrematação é considerada perfeita, acabada e irretratável, suficiente para a transferência da propriedade do bem, nos termos do artigo 694 do CPC de 1973.

A ministra observou que, no caso analisado, transcorreram cerca de cinco anos entre a penhora e a assinatura do auto de arrematação, sem que a devedora alegasse que o imóvel seria destinado à residência da família – apesar de ela ter recorrido da penhora. "No caso presente, a execução encontra-se exaurida em relação ao bem arrematado", declarou Gallotti.

Precedentes citados não se aplicam ao caso

A relatora afirmou ainda que a decisão do TJGO está alinhada com a jurisprudência do STJ, no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, que pode ser analisada pelo juiz a qualquer momento – mas apenas antes da assinatura da carta de arrematação do imóvel (AgInt no AREsp 377.850).

Ao manter o acórdão recorrido, a ministra observou que não se aplicam ao caso os precedentes do STJ indicados pela devedora – seja porque não tratam de bem de família, que é regido por lei especial (Lei 8.009/1990), seja porque não examinaram a questão sob o enfoque do artigo 694 do CPC de 1973, fundamento da decisão do TJGO. 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1536888

Fonte: Disponível:<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13052022-Impenhorabilidade-de-bem-de-familia-tem-de-ser-alegada-antes-da-assinatura-da-carta-de-arrematacao.aspx>. Acesso em 13.05.2002 

domingo, 24 de abril de 2022

STJ - Adimplemento substancial: a preponderância da função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva

Adimplemento substancial: a preponderância da função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva

STJ ESPECIAL 24/04/2022 06:55

Adimplemento substancial: a preponderância da função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva

Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, "a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato" (REsp 1.051.270).

Apesar de não estar expresso na legislação brasileira, tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem que tal instituto confere maior estabilidade jurídica às relações contratuais e protege os contratantes que, por motivos excepcionais e imprevisíveis, não conseguem cumprir de imediato o que foi pactuado.

Relata-se, segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira (REsp 1.581.505), que essa restrição da prerrogativa de resolução contratual por quem tem a receber é construção do direito Inglês do Século XVIII, tendo se irradiado depois para os países que adotam o sistema de civil law, a exemplo o Brasil.

É certo que não se trata de uma proteção a quem, por livre e espontânea vontade, deixa de cumprir as obrigações firmadas. Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que, para a aplicação da teoria, o montante já pago pelo devedor deve alcançar patamar considerável em relação à dívida, de forma a não onerar ou penalizar o credor.

O desafio é estabelecer, em cada caso, quais situações – e qual percentual da obrigação – dão margem à aplicação dessa teoria, tendo sempre em vista a função social do contrato e a boa-fé objetiva. O Tribunal da Cidadania avança na construção de uma jurisprudência consolidada sobre o tema.

Caso paradigmático discutiu pagamento de seguro de carro

Entre os casos de destaque na aplicação da teoria do adimplemento substancial no STJ está o REsp 76.362, considerado paradigmático para a formação da jurisprudência sobre o assunto. A relatoria foi do falecido ministro Ruy Rosado de Aguiar.

No acórdão desse julgamento, estão elencadas algumas orientações para a verificação da existência do adimplemento substancial da dívida pelo devedor, como a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; o pequeno valor do pagamento faltante, diante do total devido, e a possibilidade de conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. 

O caso envolveu uma segurada que teve negado o direito à indenização por acidente de carro, em virtude do atraso no pagamento da última prestação do contrato de seguro.

Modo de execução do contrato pode modificar relação obrigacional

Ao proferir seu voto, o relator destacou que a falta de pagamento de apenas uma das quatro prestações, considerando o valor total do negócio, não era suficiente para autorizar a seguradora a resolver o contrato, cujo cumprimento foi substancial.

Ele lembrou que a seguradora sempre recebeu as prestações em atraso – o que, aliás, estava previsto no contrato –, sendo "inadmissível" que apenas rejeitasse o pagamento após a ocorrência do sinistro, pois se criou a expectativa de que a mesma coisa aconteceria com a última parcela. "Sabe-se que o modo pelo qual o contrato de prestação duradoura é executado, naquilo que contravém ao acordado inicialmente, pode gerar a modificação da relação obrigacional, no pressuposto de que tal mudança no comportamento corresponde à vontade atual das partes", afirmou Ruy Rosado.

Além disso, o ministro salientou que, ainda que fosse o caso de extinguir o contrato, seria imprescindível que a empresa pleiteasse a resolução judicialmente, para que pudessem ser examinadas a importância do descumprimento do devedor e a viabilidade do pedido do credor.

"A resolução em juízo, como modo comum para o desfazimento do contrato por incumprimento do devedor, é uma opção do legislador, que entre vantagens e desvantagens, tem o mérito de permitir o exame da validade das cláusulas sobre cumprimento e extinção, providência especialmente necessária quando se cuida de contrato de adesão", registrou o acórdão.

Adimplemento substancial não se aplica a débito de natureza alimentar

Em 2018, a Quarta Turma decidiu que a teoria do adimplemento substancial não se aplica aos vínculos jurídicos familiares, sendo inadequada para resolver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar.

Na ocasião, o colegiado negou habeas corpus a um devedor de pensão alimentícia que contestava a decisão do tribunal estadual de mantê-lo em prisão civil, mesmo após o pagamento parcial da dívida.

O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Antonio Carlos Ferreira, reafirmou a jurisprudência do STJ segundo a qual o pagamento parcial do débito alimentar não afasta a possibilidade de prisão do devedor. O magistrado destacou que a análise da cogitada irrelevância do inadimplemento da obrigação não se limita ao critério quantitativo, pois é necessário avaliar também a sua importância para a satisfação das necessidades do credor alimentar.

"A obrigação alimentar diz respeito a bem jurídico indisponível, intimamente ligado à subsistência do alimentando, cuja relevância ensejou fosse incluído como exceção à regra geral que veda a prisão civil por dívida, o que evidencia ter havido ponderação de valores, pelo próprio constituinte originário, acerca de possível conflito com a liberdade de locomoção, outrossim um direito fundamental de estatura constitucional", avaliou o ministro.

Instituto não pode inverter lógica dos contratos O instituto do adimplemento substancial não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que considera o integral e regular cumprimento do contrato o meio esperado de extinção das obrigações.

A decisão também foi da Quarta Turma, em julgamento sob a relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira. Discutiu-se no recurso especial  (REsp 1.581.505) se a teoria seria aplicável ao caso de uma compradora de imóvel que deixou de pagar mais de 30% do valor da dívida. 

Em seu voto, o relator reafirmou que não basta considerar o aspecto quantitativo do inadimplemento, principalmente porque em certas hipóteses o equilíbrio contratual pode ser afetado, inviabilizando a manutenção do negócio.

Porém, no caso analisado pelo colegiado, ele ponderou que a análise do quantitativo já seria suficiente para afastar a tese de adimplemento substancial, visto que "o débito superior a um terço do contrato de mútuo, incontroverso, jamais poderá ser considerado irrelevante ou ínfimo".

Teoria não alcança alienação fiduciária regida pelo DL 911/1969

Outra tese de destaque envolvendo o tema é a de que não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/1969 (REsp 1.622.555).

O entendimento foi da Segunda Seção, ao analisar o recurso especial de um banco contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o qual excluiu a possibilidade de ação de busca e apreensão de veículo cujo comprador deixou de pagar as quatro últimas das 48 prestações pactuadas. Com base na ideia do adimplemento substancial, a corte estadual considerou que só seria permitido ao credor, em tais circunstâncias, valer-se da ação de cobrança do saldo em aberto ou de eventual execução. 

Na ocasião, o relator, ministro Marco Buzzi, ficou vencido ao votar pela aplicação do adimplemento substancial ao caso. Para ele, permitir uma penalidade tão grave ao devedor que, segundo as instâncias ordinárias, pagou 91,66% do contrato representaria violação ao princípio da boa-fé, em razão da desproporcionalidade da medida.

Lei não faz restrições ao uso da busca e apreensão

Por outro lado, o ministro Marco Aurélio Bellizze, cujo voto prevaleceu, destacou que o Decreto-Lei 911/1969 – norma regente do contrato de alienação fiduciária em garantia firmado pelas partes – não prevê nenhuma restrição ao uso da ação de busca e apreensão em razão da extensão da mora ou da proporção do inadimplemento. Ao contrário – disse o magistrado –, o decreto-lei é expresso ao exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja restituído livre de ônus ao devedor.

"Impor-se ao credor a preterição da ação de busca e apreensão (prevista em lei, segundo a garantia fiduciária a ele conferida) por outra via judicial, evidentemente menos eficaz, denota absoluto descompasso com o sistema processual", afirmou Bellizze.

Segundo o ministro, seria incongruente inviabilizar o uso da busca e apreensão na hipótese de inadimplemento incontroverso – independentemente de ser pequeno ou considerável –, quando a lei expressamente condiciona a possibilidade de o bem ficar com o devedor ao pagamento integral da dívida.

Cumprimento parcial de serviço e atendimento à finalidade do contrato

A Terceira Turma concluiu que a prestação deficitária ou incompleta de um serviço só representa cumprimento parcial da obrigação quando atende à necessidade do contratante; do contrário, estará configurado o inadimplemento total (REsp 1.731.193). 

O entendimento foi firmado pelo colegiado ao julgar recurso de uma indústria de autopeças contra empresa de software contratada para desenvolver um sistema de gestão integrada. Na ocasião, definiu-se ainda que a distinção entre o cumprimento parcial e o inadimplemento total de um contrato deve levar em conta a intenção das partes no momento da contratação.

A contratante afirmou que a contratada entregou um sistema que nunca chegou a funcionar e ainda prestou de forma deficitária muitos dos serviços correlatos. A empresa de informática, por sua vez, asseverou que os sistemas foram efetivamente entregues, customizados e implantados, tanto que houve confissão de dívida pela contratante.

Prestação que não serve ao credor é inadimplemento

No tribunal de origem, os pedidos de resolução do contrato e pagamento de indenização, feitos pela indústria de autopeças, foram julgados improcedentes, sob a fundamentação de que houve adimplemento substancial do contrato, circunstância reconhecida na assinatura da confissão de dívida.

A relatoria foi do ministro Moura Ribeiro, o qual destacou que, no caso analisado, a perícia apurou que o novo sistema não funcionou direito ou, pelo menos, não funcionou da maneira esperada, de forma que os serviços prestados pela empresa de software não atingiram o objetivo precípuo da contratação: a elaboração de um sistema eletrônico integrado de gestão empresarial que otimizasse o funcionamento dos diversos setores da contratante.

"Se a prestação realizada sem proveito para o credor em razão do momento em que verificada configura descumprimento da obrigação – isto é, verdadeiro inadimplemento –, da mesma forma, aquela realizada igualmente sem proveito para o credor em razão do modo como executada deve ser também considerada inadimplemento", entendeu o relator.

Atraso nas mensalidades do seguro-saúde

O simples atraso no pagamento de uma das parcelas do prêmio não se equipara ao inadimplemento total da obrigação do segurado; assim, não confere à seguradora o direito de descumprir sua obrigação principal, que, no seguro-saúde, é indenizar pelos gastos despendidos com o tratamento do paciente. Esse foi o entendimento da Terceira Turma ao julgar o REsp 293.722, de relatoria da ministra Nancy Andrighi.

No caso analisado pelo colegiado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu à segurada o direito de receber indenização por alguns dias em que esteve internada, prazo durante o qual a seguradora suspendeu a cobertura, alegando atraso no pagamento do prêmio.

No recurso especial, a seguradora sustentou que há, tanto no Código Civil quanto no Decreto-Lei 73/1966, a previsão do pagamento do prêmio como condição para que o segurado receba a cobertura, de modo que o inadimplemento levaria à suspensão automática da cobertura.

Encerramento do contrato exige descumprimento significativo

Em seu voto, a relatora sublinhou que, de fato, o Código Civil prevê a obrigação do pagamento antecipado do prêmio como condição para a indenização securitária.

Porém, ela destacou que a jurisprudência do STJ é no sentido de que, para haver efetivamente desequilíbrio contratual, a ponto de se encerrar ou suspender o contrato no que tange à obrigação principal, o inadimplemento deve ser significativo a ponto de privar substancialmente o credor da prestação a que teria direito.

"Tratando-se de contrato de seguro-saúde, em que a indenização pelos gastos com internação constitui-se em obrigação principal da seguradora, o mero atraso no pagamento de uma parcela do prêmio não se equipara ao inadimplemento total do segurado, motivo pelo qual não pode acarretar a desobrigação da outra parte", afirmou Nancy Andrighi.

Destaques de hoje

Adimplemento substancial: a preponderância da função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva

MP não pode ajuizar ação civil pública sobre restituição de empréstimo compulsório, decide Primeira Turma

Empresário condenado na Lava Jato tem negado pedido de reconhecimento de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba

Terceira Turma reconhece violação da marca brasiliense Ultramedical e determina indenização

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

Fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/24042022-Adimplemento-substancial-a-preponderancia-da-funcao-social-do-contrato-e-do-principio-da-boa-fe-objetiva.aspx>. Acesso em 24.04.2022



 


sexta-feira, 1 de abril de 2022

STJ - Quarta Turma mantém indenização de R$ 100 mil a paciente que desenvolveu escaras (upp - úlceras por pressão) durante internação

Quarta Turma mantém indenização de R$ 100 mil a paciente que desenvolveu escaras durante internação


DECISÃO - STJ

01/04/2022 07:25

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, manteve a obrigação de um hospital indenizar uma paciente em R$ 50 mil por danos morais e R$ 50 mil por danos estéticos, em razão de úlceras por pressão (escaras) que ela desenvolveu por falta de movimentação no leito durante o período em que ficou internada.

Ao negar provimento ao recurso especial interposto pelo hospital, o colegiado considerou que o valores arbitrados pelas instâncias ordinárias não foram exorbitantes ou desproporcionais aos danos suportados pela paciente.

O hospital foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) em ação indenizatória ajuizada pela paciente. Ao STJ, o hospital alegou que os valores dos danos morais e estéticos foram exorbitantes. Também sustentou que não teria responsabilidade no caso, pois não haveria culpa nem nexo causal entre sua conduta e as lesões.

Paciente ficou com deformações e adquiriu sarna

Relator do recurso, o ministro Raul Araújo lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, a revisão dos valores de danos morais e estéticos só é possível em hipóteses excepcionais, quando tiverem sido fixados em nível exorbitante ou insignificante, violando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Na avaliação do magistrado, não é possível a revisão dos valores fixados no caso em análise, uma vez que não foram "irrisórios nem desproporcionais aos danos sofridos" pela paciente, decorrentes de falha na prestação do serviço hospitalar.

O ministro destacou que, durante a internação, as escaras surgidas na paciente pioraram porque o tratamento foi iniciado tardiamente, e acabaram exigindo a realização de mais de uma cirurgia. A mulher ficou com cicatrizes e deformações, que afetaram sua vida pessoal, e ainda adquiriu sarna enquanto esteve no hospital.

"Nesse contexto, os valores de indenização não se mostram desproporcionais ou exorbitantes, não se verificando a excepcionalidade capaz de justificar a revisão pelo STJ", afirmou o relator.

Provas demonstraram a falha do hospital

Acerca da ausência de responsabilidade alegada pela instituição hospitalar, Raul Araújo observou que o TJRJ, após analisar as provas – incluindo um laudo pericial –, reconheceu a falha na prestação do serviço, uma vez que as lesões foram causadas pela falta de movimentação da paciente no leito e de medidas preventivas.

De acordo com o ministro, a reforma do acórdão recorrido demandaria o reexame de fatos e provas, o que é inviável no recurso especial, como estabelecido pela Súmula 7 do STJ.

Leia o acórdão no AREsp 1.900.623.

(Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/01042022-Quarta-Turma-mantem-indenizacao-de-R--100-mil-a-paciente-que-desenvolveu-escaras-durante-internacao.aspx>. Acesso em 01.04.2022 

AREsp 1900623

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

STF - Ministro Alexandre de Moraes assegura a entes públicos legitimidade para propor ação por improbidade! Vale a pena conferir :)

STF - Ministro Alexandre de Moraes assegura a entes públicos legitimidade para propor ação por improbidade

Para o ministro, a supressão da legitimidade, introduzida por mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, caracteriza uma espécie de monopólio do combate à corrupção ao Ministério Público não autorizado pela Constituição Federal.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar para definir que, além do Ministério Público, as pessoas jurídicas interessadas têm legitimidade para propor ação por ato de improbidade administrativa. A decisão foi tomada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7042 e 7043, ajuizadas, respectivamente, pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) e pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe). A decisão será submetida a referendo do Plenário.

As entidades questionam dispositivos da Lei 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Um dos questionamentos é que a nova legislação, ao assegurar apenas ao Ministério Público a legitimidade para ajuizar ação de improbidade, suprimiu essa prerrogativa dos entes públicos lesados, impedindo o exercício do dever-poder da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de zelar pela guarda da Constituição e das leis e de conservar o patrimônio público. Alegam, ainda, afronta à autonomia da Advocacia Pública, tendo em vista que os entes políticos ficarão "à mercê da atuação do Ministério Público para buscar o ressarcimento do dano ao erário”.

Comando impeditivo à exclusividade

Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o artigo 129, parágrafo 1º, da Constituição Federal estabelece, expressamente, que a legitimação do Ministério Público em ações civis de improbidade administrativa não impede a de terceiros. Em seu entendimento, o dispositivo do texto constitucional parece indicar um comando impeditivo à previsão de exclusividade do Ministério Público nesses casos.

De acordo com o ministro, o combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no poder público, com graves reflexos na carência de recursos para a implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados.

Em análise preliminar do caso, o relator destacou que a supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação de improbidade pode representar grave limitação ao amplo acesso à jurisdição, ofensa ao princípio da eficiência e obstáculo ao exercício da competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para “zelar pela guarda da Constituição” e “conservar o patrimônio público”. Essa supressão, segundo ele, caracteriza uma espécie de monopólio absoluto do combate à corrupção ao Ministério Público, não autorizado, entretanto, pela Constituição Federal.

Outros dispositivos

A liminar concedida pelo ministro também suspende dispositivo que obriga a assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos a defender o administrador público que venha a responder ação por improbidade administrativa.

Também fica suspenso o artigo 3° da Lei 14.230/2021, que estabelecia o prazo de um ano, a partir da data de publicação da norma, para que o Ministério Público competente manifestesse interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública e que paralisava, durante esse prazo, os processos em questão.


EC/AD//CF

Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=481960&ori=1>. Acesso em 18.02.2022 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

STJ - Após prazo decadencial, execução de sentença arbitral não pode ser impugnada por nulidades previstas na Lei de Arbitragem. INTERESSANTE!

Após prazo decadencial, execução de sentença arbitral não pode ser impugnada por nulidades previstas na Lei de Arbitragem

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que não é cabível a impugnação ao cumprimento da sentença arbitral, com base nas hipóteses de nulidades previstas no artigo 32 da Lei 9.307/1996, após o prazo decadencial de 90 dias – o período é contado a partir do recebimento da notificação sobre o julgamento arbitral.

O colegiado negou provimento a recurso interposto por uma empresa consorciada no qual se alegou que o pedido de nulidade da sentença arbitral – apresentado em incidente de impugnação ao cumprimento de sentença – também pode ser realizado no prazo de 15 dias previsto no artigo 525 do Código de Processo Civil.

O consórcio do qual a empresa faz parte foi condenado pelo tribunal arbitral ao pagamento de mais de R$ 3,2 milhões a outro consórcio pelo descumprimento de um contrato de fornecimento de materiais e equipamentos.

As condenadas apresentaram impugnações ao cumprimento de sentença, mas elas foram rejeitadas nas instâncias ordinárias, que reconheceram a fluência do prazo decadencial de 90 dias para suscitar a nulidade da sentença arbitral, ainda que veiculada em impugnação ao cumprimento de sentença; bem como reconheceram a responsabilidade solidária entre as empresas do consórcio.

Pretensão para anular sentença arbitral deve ser feita no prazo de 90 dias

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o estabelecimento da convenção de arbitragem subtrai do Poder Judiciário não apenas a competência para conhecer originariamente do conflito de interesses surgido entre as partes, mas, também, em momento posterior, para se ingressar no mérito da decisão exarada pelo tribunal arbitral que decidiu o litígio.

Segundo o magistrado, à parte sucumbente é possível veicular, perante o Poder Judiciário, a pretensão de anular sentença arbitral, desde que fundada nas hipóteses taxativas – todas de ordem pública –, especificadas no artigo 32 da Lei 9.307/1996, e desde que o faça de imediato, no prazo decadencial de 90 dias.

O magistrado esclareceu que a Lei de Arbitragem estabelece, para tal pretensão, o manejo de ação anulatória (artigo 33, caput) e, nos casos em que há ajuizamento de execução de sentença arbitral (artigo 33, parágrafo 3º), a lei prevê a possibilidade de impugnação ao seu cumprimento – desde que observado, em ambos os casos, o prazo decadencial nonagesimal.

Vedação à nulidade da sentença arbitral após o prazo decadencial

Bellizze ressaltou que não há respaldo legal que permita à parte sucumbente – que não promoveu a ação de anulação da sentença arbitral no prazo de 90 dias – manejar a mesma pretensão anulatória, agora em impugnação à execução ajuizada em momento posterior a esse lapso, sobretudo porque, a essa altura, o direito potestativo (de anular) já terá se esvaído pela decadência.

"Por consectário, pode-se afirmar que a veiculação da pretensão anulatória em impugnação só se afigura viável se a execução da sentença arbitral for intentada, necessariamente, dentro do prazo nonagesimal, devendo a impugnante, a esse propósito, bem observá-lo, em conjunto com o prazo legal para apresentar sua peça defensiva", afirmou.

O ministro também lembrou que, segundo precedente da Terceira Turma, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo artigo 525, parágrafo 1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no artigo 32 da Lei 9.307/1996.

Responsabilidade solidária reconhecida no juízo arbitral

Em relação à responsabilidade das empresas consorciadas, o relator verificou que, no caso, a sentença arbitral, tanto em sua introdução, em que se reportou ao contrato de constituição do consórcio – no qual há expressa previsão de solidariedade entre as consorciadas –, quanto em sua parte dispositiva, sobre a qual recaem os efeitos da coisa julgada, estabelece a condenação das requeridas, sem nenhuma especificação.

Na avaliação do relator, a pretensão para individualizar a responsabilidade entre as empresas resultaria na modificação do mérito da sentença arbitral – providência que o Judiciário não está autorizado a realizar.


Disponível em:<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/10022022-Apos-prazo-decadencial--execucao-de-sentenca-arbitral-nao-pode-ser-impugnada-por-nulidades-previstas-na-Lei-de-.aspx>. 
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1862147

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Os meios atípicos de execução: hipóteses, requisitos e limites, segundo o STJ

Os meios atípicos de execução: hipóteses, requisitos e limites, segundo o STJ

Entre um credor interessado em receber e um devedor que não se dispõe a pagar voluntariamente, há uma série de mecanismos oferecidos pela legislação para que o Judiciário possa solucionar o litígio. Além dos meios de execução típicos ou diretos – como o bloqueio de valores em conta e a penhora de outros bens –, o Código de Processo Civil, no artigo 139, inciso IV, deu poderes ao juiz para adotar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para garantir ao credor a satisfação de seu direito.

A partir desse dispositivo, extrai-se a possibilidade de que sejam utilizados os chamados meios atípicos de execução, medidas consideradas de coerção indireta e psicológica para obrigar o devedor a cumprir determinada obrigação. Entre as medidas que a Justiça vem adotando com essa finalidade estão a apreensão de documentos e o bloqueio de cartões de crédito.

Os meios de execução atípicos geraram um intenso debate sobre as condições e os limites de sua utilização, e várias dessas controvérsias já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Meios atípicos são subsidiários aos instrumentos típicos

No julgamento do REsp 1.864.190, a Terceira Turma estabeleceu que os meios de execução indireta previstos no artigo 139, inciso IV, do CPC têm caráter subsidiário em relação aos meios típicos e, por isso, o juízo deve observar alguns pressupostos para autorizá-los – por exemplo, indícios de que o devedor tem recursos para cumprir a obrigação e a comprovação de que foram esgotados os meios típicos para a satisfação do crédito.

Na execução em análise, o credor pediu a adoção de medidas como a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), a apreensão do passaporte e o cancelamento de cartões de crédito do devedor. Os pedidos foram negados em primeiro e segundo graus.

A ministra Nancy Andrighi explicou que, no CPC/2015, o legislador optou por conferir maior elasticidade ao desenvolvimento da execução, de acordo com as circunstâncias de cada caso. Todavia, a magistrada ponderou que isso não significa que qualquer modalidade executiva possa ser adotada de forma indiscriminada, sem balizas ou meios de controle efetivos.

Além disso, a relatora apontou ser necessário diferenciar a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica (que são apenas medidas executivas indiretas) em relação às sanções civis de natureza material – essas últimas com capacidade de ofender a proteção patrimonial, já que configuram sanções em razão do não pagamento da dívida.

"A diferença mais notável entre os dois institutos enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado têm como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indiretos", esclareceu a ministra.

Mecanismos atípicos pressionam o devedor para quitar a obrigação

Citando lições da doutrina, Nancy Andrighi ressaltou que a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas, posto que essas medidas apenas pressionam psicologicamente o devedor para que ele se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação.

"Do mesmo modo, não se pode falar em inaplicabilidade das medidas executivas atípicas meramente em razão de sua potencial intensidade quanto à restrição de direitos fundamentais. Isso porque o ordenamento jurídico pátrio prevê a incidência de diversas espécies de medidas até mesmo mais gravosas do que essas", lembrou a ministra, destacando hipóteses como o despejo forçado, a busca e apreensão, e a remoção de pessoas e coisas.

Entretanto, a relatora enfatizou que, para a medida atípica ser adotada, o juízo deve intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo e, na sequência, caso não haja o pagamento, realizar os atos de expropriação típicos.

Só após o esgotamento prévio dos meios diretos de execução é que, segundo a magistrada, o juízo pode autorizar, em decisão fundamentada, a utilização das medidas coercitivas indiretas – não bastando, como argumento, a mera repetição do texto do artigo 139 do CPC.

"Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo", concluiu a relatora.

Na mesma linha de entendimento, no REsp 1.782.418 e no REsp 1.788.950, a Terceira Turma definiu que as medidas atípicas, sempre em caráter subsidiário, só devem ser deferidas se houver no processo sinais de que o devedor possui patrimônio expropriável, pois, do contrário, elas não seriam coercitivas para a satisfação do crédito, mas apenas punitivas.

Requisitos para apreensão de passaporte e CNH

Nos últimos anos, o STJ tem sido reiteradamente chamado a analisar a validade de decisões judiciais que determinam a retenção de dois documentos em especial: o passaporte e a carteira de habilitação. Nesses casos, a discussão gira em torno das potenciais limitações ao direito de ir e vir e do cabimento dessas medidas no contexto das ações executivas.

Nos colegiados de direito privado, a posição que tem prevalecido é a da possibilidade da retenção ou suspensão dos documentos, desde que por decisão fundamentada e, como destacado anteriormente, após o esgotamento das vias executivas típicas. 

Em 2018, a Quarta Turma firmou precedente importante no sentido de que é ilegal e arbitrária a retenção do passaporte em decisão judicial não fundamentada e que não observou o contraditório.

Relator do recurso, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que o STJ reconhece a validade da utilização do habeas corpus para questionar a apreensão de passaporte, como no caso analisado, pois a medida limita a liberdade de locomoção.

Em relação aos instrumentos executivos atípicos, o magistrado lembrou que o mérito das inovações trazidas pelo CPC/2015 foi a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional, mas que essa circunstância não pode afastar as regras constitucionais, em especial a restrição injustificada de direitos individuais.

No caso dos autos, Salomão destacou que o juízo da execução se limitou a deferir o pedido de suspensão do passaporte, sem se preocupar em demonstrar a necessidade e utilidade da medida. Como consequência da falta de fundamentação da decisão e da ausência do exercício do contraditório pelo devedor, o ministro considerou arbitrária a retenção do documento.

"O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência", apontou o relator (RHC 97.876).

Validade de apreensão de documento diante da blindagem de patrimônio

Com base nesses mesmos requisitos, no HC 597.069, a Terceira Turma manteve a apreensão de passaporte determinada em uma execução de dívida de aluguéis. A medida foi determinada em primeiro grau, após o não pagamento voluntário e o insucesso das tentativas de localização de bens. 

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou a ordem judicial, mas limitou os seus efeitos até o oferecimento de bens pelo devedor ou a realização de penhora.

No habeas corpus, a defesa alegou que as medidas restritivas seriam ilegais, desproporcionais e arbitrárias, pois somente o patrimônio da devedora deveria responder pelas dívidas, e ela se encontrava em Portugal, impedida de retornar ao Brasil por motivos financeiros.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que, segundo o próprio advogado, a devedora teria a intenção de morar fora do Brasil. "Pode-se daí extrair uma forma de blindagem do seu patrimônio, não deixando, pelo que se verificou no curso da execução, bens suficientes no Brasil para saldar as obrigações contraídas, e vindo a pretender residir fora do país e para lá levar o seu patrimônio e, quiçá, lá incrementá-lo, o que dificultaria, sobremaneira, o seu alcance pelo Estado-jurisdição brasileiro", ponderou o relator.

O ministro considerou legítimas e razoáveis as medidas coercitivas adotadas pelo juízo da execução.

"Na hipótese de a paciente efetivamente encontrar-se fora do país, tenho que a suspensão de seu passaporte poderá causar efeito não pretendido pelo magistrado originalmente, impondo-se, assim, acaso essa circunstância se confirme, que seja levantada a suspensão transitoriamente apenas para que a paciente retorne ao Brasil, quando então voltará a ter eficácia a suspensão", ressaltou.

Medidas atípicas são inadequadas para execuções fiscais

No âmbito do direito público, a Primeira Turma, ao julgar o HC 453.870, fixou o entendimento de que a apreensão de passaporte em execução fiscal é desproporcional e inadequada à busca da satisfação do crédito.

Segundo o ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), a adoção dos meios indiretos de execução visa não apenas garantir o direito da parte exequente, mas também salvaguardar o prestígio da Justiça, tendo em vista que o não cumprimento de uma decisão judicial atenta contra a sua dignidade.

Entretanto, o relator apontou que essas medidas atípicas se situam eminentemente no mercado de crédito.

"Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal", disse o ministro.

No caso das execuções fiscais, Napoleão lembrou que o Estado já é "superprivilegiado" em sua condição de credor, dispondo de varas especializadas para a condução das ações, um corpo de procuradores voltado para essas causas e uma lei própria para regular o procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais específicos.

"Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos", apontou o ministro.

Sanções por improbidade admitem adoção de meios executivos indiretos

Por outro lado, em julho deste ano, a Segunda Turma considerou possível a determinação de medidas atípicas no cumprimento de sentença condenatória por improbidade administrativa.

A tese foi fixada em processo no qual, após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o valor referente à sanção pecuniária aplicada ao agente público. Diante disso, o juízo determinou a apreensão da CNH e do passaporte do executado. Em segunda instância, contudo, o tribunal reverteu a decisão, por entender que a medida atentaria contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.  

O ministro Herman Benjamin afirmou que, nas ações de improbidade, não é possível admitir a realização de manobras para escapar das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta.

De acordo com o relator, os parâmetros construídos – especialmente pela Terceira Turma, que julga processos de direito privado – para a verificação da validade das medidas atípicas de execução são adequados também para a avaliação dos requisitos na ação de improbidade.

"Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão", finalizou o ministro (REsp 1.929.230).

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1864190REsp 1782418REsp 1788950RHC 97876HC 597069HC 453870

fonte: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14112021-Os-meios-atipicos-de-execucao-hipoteses--requisitos-e-limites--segundo-o-STJ.aspx>. Acesso em 16.11.2021


sábado, 30 de outubro de 2021

STJ - Embaraçar investigação de organização criminosa é crime material e pode ocorrer no inquérito ou na ação

Embaraçar investigação de organização criminosa é crime material e pode ocorrer no inquérito ou na ação

Impedir ou embaraçar a investigação de organização criminosa, delito previsto pelo artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013, é crime material, inclusive na modalidade embaraçar – portanto, é possível a condenação pela forma tentada. Esse tipo penal pode ser configurado tanto na fase de inquérito policial quanto na ação penal, após o recebimento da denúncia.

O entendimento foi firmado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar parcialmente acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que manteve a condenação de quatro pessoas por embaraço à investigação de organização criminosa. A corte estadual concluiu que elas atuaram para mudar o depoimento de uma testemunha já na fase judicial e que o ato de embaraçar é crime formal, consumado quando o réu age para perturbar de qualquer modo a investigação, independentemente de conseguir seu objetivo.

Ao recorrer ao STJ, a defesa sustentou – entre outros argumentos – que o tipo penal descrito no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013 trata da conduta de embaraço à investigação, e não de embaraço ao processo judicial. Ainda de acordo com a defesa, a inexistência de mudança no depoimento da vítima configuraria, no máximo, a tentativa de embaraço, devendo ser afastado o delito consumado. 

Investigações ocorrem tanto no inquérito quanto na ação penal

Segundo o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, a tese de que a investigação criminal está restrita à fase do inquérito não tem cabimento, pois a apuração dos fatos se prolonga durante toda a persecução penal – que inclui tanto o inquérito policial quanto a ação judicial, após o recebimento da denúncia. "Não havendo o legislador inserido no tipo a expressão estrita 'inquérito policial', compreende-se ter conferido à investigação de infração penal o sentido de persecução penal", afirmou o magistrado.

Além disso, ele destacou que não seria razoável punir de forma mais severa a obstrução das investigações no inquérito do que a obstrução realizada na ação penal.

Mesmo reconhecendo haver diferentes posições doutrinárias a respeito, o ministro considerou que a melhor interpretação quanto à consumação e à tentativa na modalidade embaraçar está no entendimento de que se trata de crime material.

"A adoção da corrente que classifica o delito como crime material se explica porque o verbo 'embaraçar' atrai um resultado, ou seja, uma alteração do seu objeto. Na hipótese normativa, o objeto é a investigação, que pode se dar na fase de inquérito ou na instrução da ação penal, ou seja, haverá embaraço à investigação se algum resultado, ainda que momentâneo e reversível, for constatado", destacou.

Em reforço a essa tese, o relator citou decisão do Supremo Tribunal Federal que recebeu denúncia por tentativa de obstrução à investigação de organização criminosa, reconhecendo como indícios de materialidade e autoria as conversas em que um político discutia com outras pessoas a necessidade de interferir na atividade da polícia durante a Operação Lava Jato.

Novo julgamento para a verificação de tentativa

Sobre o caso em julgamento, Joel Paciornik comentou que a testemunha supostamente assediada pelo réu pode ter ficado embaraçada, mas não há informação de que isso tenha afetado a investigação em curso na fase judicial. Em consequência, a Quinta Turma determinou que seja realizado novo julgamento do recurso de apelação, para a análise da ocorrência da modalidade tentada.

"Forçoso o retorno dos autos ao tribunal de origem para que seja adotada a classificação de crime material e feita nova análise da ocorrência de tentativa em razão do resultado observado no trâmite da ação penal que apura o delito de organização criminosa, com eventuais reflexos na dosimetria da pena", concluiu o relator.

Leia o acórdão do REsp 1.817.416.

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28102021-Embaracar-investigacao-de-organizacao-criminosa-e-crime-material-e-pode-ocorrer-no-inquerito-ou-na-acao.aspx>. Acesso em 30.10.2021.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1817416


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