sábado, 30 de outubro de 2021

STJ - Embaraçar investigação de organização criminosa é crime material e pode ocorrer no inquérito ou na ação

Embaraçar investigação de organização criminosa é crime material e pode ocorrer no inquérito ou na ação

Impedir ou embaraçar a investigação de organização criminosa, delito previsto pelo artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013, é crime material, inclusive na modalidade embaraçar – portanto, é possível a condenação pela forma tentada. Esse tipo penal pode ser configurado tanto na fase de inquérito policial quanto na ação penal, após o recebimento da denúncia.

O entendimento foi firmado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar parcialmente acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que manteve a condenação de quatro pessoas por embaraço à investigação de organização criminosa. A corte estadual concluiu que elas atuaram para mudar o depoimento de uma testemunha já na fase judicial e que o ato de embaraçar é crime formal, consumado quando o réu age para perturbar de qualquer modo a investigação, independentemente de conseguir seu objetivo.

Ao recorrer ao STJ, a defesa sustentou – entre outros argumentos – que o tipo penal descrito no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013 trata da conduta de embaraço à investigação, e não de embaraço ao processo judicial. Ainda de acordo com a defesa, a inexistência de mudança no depoimento da vítima configuraria, no máximo, a tentativa de embaraço, devendo ser afastado o delito consumado. 

Investigações ocorrem tanto no inquérito quanto na ação penal

Segundo o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, a tese de que a investigação criminal está restrita à fase do inquérito não tem cabimento, pois a apuração dos fatos se prolonga durante toda a persecução penal – que inclui tanto o inquérito policial quanto a ação judicial, após o recebimento da denúncia. "Não havendo o legislador inserido no tipo a expressão estrita 'inquérito policial', compreende-se ter conferido à investigação de infração penal o sentido de persecução penal", afirmou o magistrado.

Além disso, ele destacou que não seria razoável punir de forma mais severa a obstrução das investigações no inquérito do que a obstrução realizada na ação penal.

Mesmo reconhecendo haver diferentes posições doutrinárias a respeito, o ministro considerou que a melhor interpretação quanto à consumação e à tentativa na modalidade embaraçar está no entendimento de que se trata de crime material.

"A adoção da corrente que classifica o delito como crime material se explica porque o verbo 'embaraçar' atrai um resultado, ou seja, uma alteração do seu objeto. Na hipótese normativa, o objeto é a investigação, que pode se dar na fase de inquérito ou na instrução da ação penal, ou seja, haverá embaraço à investigação se algum resultado, ainda que momentâneo e reversível, for constatado", destacou.

Em reforço a essa tese, o relator citou decisão do Supremo Tribunal Federal que recebeu denúncia por tentativa de obstrução à investigação de organização criminosa, reconhecendo como indícios de materialidade e autoria as conversas em que um político discutia com outras pessoas a necessidade de interferir na atividade da polícia durante a Operação Lava Jato.

Novo julgamento para a verificação de tentativa

Sobre o caso em julgamento, Joel Paciornik comentou que a testemunha supostamente assediada pelo réu pode ter ficado embaraçada, mas não há informação de que isso tenha afetado a investigação em curso na fase judicial. Em consequência, a Quinta Turma determinou que seja realizado novo julgamento do recurso de apelação, para a análise da ocorrência da modalidade tentada.

"Forçoso o retorno dos autos ao tribunal de origem para que seja adotada a classificação de crime material e feita nova análise da ocorrência de tentativa em razão do resultado observado no trâmite da ação penal que apura o delito de organização criminosa, com eventuais reflexos na dosimetria da pena", concluiu o relator.

Leia o acórdão do REsp 1.817.416.

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28102021-Embaracar-investigacao-de-organizacao-criminosa-e-crime-material-e-pode-ocorrer-no-inquerito-ou-na-acao.aspx>. Acesso em 30.10.2021.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1817416


segunda-feira, 27 de setembro de 2021

STJ - Razoabilidade, proporcionalidade, presunção de inocência: a investigação social em concurso, na visão do STJ

Razoabilidade, proporcionalidade, presunção de inocência: a investigação social em concurso, na visão do STJ.

​Em alguns concursos públicos – especialmente nos órgãos da área de segurança –, é comum a realização da etapa de investigação social, ou sindicância de vida pregressa, com o objetivo de avaliar se a conduta pessoal do candidato é compatível com o cargo que pretende ocupar.

Buscam-se, entre outras, informações sobre condenações criminais e uso de drogas. É imprescindível que os requisitos exigidos para a comprovação da idoneidade do candidato estejam perfeitamente discriminados no edital do certame, respeitando a natureza e a complexidade do cargo, conforme entendimento da administração pública.

Ao julgar casos sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), respeitando a discricionariedade administrativa, avalia se a decisão que restringiu o ingresso do candidato na etapa de investigação social observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e se os aspectos vinculados do ato administrativo estão em plena consonância com o ordenamento jurídico brasileiro.

Na sequência, alguns entendimentos sobre o assunto.

Omissão de informações autoriza eliminaçã​​o do concurso

Ao julgar o AgInt no RMS 60.984, a Primeira Turma reafirmou a jurisprudência do STJ no sentido de que a omissão em prestar informações exigidas pelo edital, na fase de investigação social ou de sindicância da vida pregressa, justifica a eliminação do candidato. A relatoria foi do ministro Benedito Gonçalves.

No caso, um candidato ao cargo de delegado da Polícia Civil teve sua inscrição cancelada na fase de investigação social do concurso, por ter omitido, no questionário de informações pessoais, que havia sido preso em flagrante e encaminhado ao Centro de Correição da Polícia Militar, além de já ter sofrido as penalidades de repreensão e suspensão de 30 dias em virtude de processo administrativo disciplinar.

Em mandado de segurança, o concorrente ao cargo alegou que, posteriormente à sua exclusão do certame, foi inocentado na ação penal que tramitou contra ele. Invocou a aplicação de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo o qual "viola o princípio da presunção constitucional do estado de inocência a exclusão de certame público de candidato que, na fase de investigação social e criminal, responda a inquérito policial ou a ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória".

Investigação social verifica adeq​​uação ao cargo

O ministro Benedito Gonçalves, rejeitando as alegações do candidato, destacou que a sua eliminação se deveu ao fato de ter omitido informações relevantes para a comissão avaliadora daquela etapa do concurso, em desconformidade com previsão contida no edital, não subsistindo, dessa forma, direito líquido e certo à convocação e nomeação.

O relator acrescentou que, embora o concorrente tenha complementado as informações do questionário em momento posterior, não o fez de forma integral, deixando de tratar de fatos desabonadores, os quais poderiam levar à conclusão de que ele não satisfazia as exigências para o cargo de delegado.

"A investigação social para admissão de candidato a cargos sensíveis, como o de delegado policial, não se restringe à aferição de existência ou não de condenações penais transitadas em julgado, abrangendo, também, a conduta moral e social do candidato, a fim de verificar a sua adequação ao cargo almejado, que requer retidão e probidade", afirmou o magistrado.

Só trânsito em julgado afasta presunção de inocên​​cia

Recentemente, no julgamento do RMS 47.528, a Segunda Turma, seguindo a orientação do STF, deu provimento ao recurso de um candidato para reverter a sua eliminação de concurso para o cargo de policial civil de Mato Grosso do Sul, decorrente da existência de oito inquéritos e uma ação penal em andamento.

O colegiado entendeu que apenas as condenações penais com trânsito em julgado são capazes de constituir impedimento para que um cidadão ingresse, mediante concurso, nos quadros funcionais do estado.

A comissão examinadora considerou que o candidato havia praticado atos tipificados como ilícitos penais, com repercussão social negativa, e que isso comprometeria a segurança e a confiabilidade da instituição policial.

No voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Mauro Campbell Marques ponderou que não se admite que "meros boletins de ocorrência, inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência ou ações penais em curso, sem condenação passada em julgado, possam ser utilizados como fatores impeditivos" do acesso ao cargo público, "tendo em vista o relevo dado ao princípio constitucional da presunção de inocência".

Além disso, o magistrado lembrou que, no caso, seria indispensável para a configuração de antecedentes desabonadores a presença dos requisitos dispostos no RE 560.900, julgado pelo STF no regime da repercussão geral.

Cadastro de inadimplentes não impede cand​​idato

No julgamento do RMS 30.734, a Quinta Turma (que hoje é competente apenas para processos criminais) reformou decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que manteve a exclusão de um candidato ao cargo de técnico penitenciário, reprovado na fase de sindicância de vida pregressa por causa do indiciamento em inquéritos policiais e do registro de anotações negativas em cadastro de proteção ao crédito.

Ao negar o mandado de segurança impetrado pelo candidato, o tribunal local levou em consideração a Lei Distrital 3.669/2005, que criou a carreira de atividades penitenciárias, cujo artigo 4º, parágrafo único, IV, exige a "comprovação de idoneidade e conduta ilibada na vida pública e na vida privada".

Segundo a ministra Laurita Vaz, os inquéritos que embasaram a decisão do TJDFT deram origem a duas ações penais, que ainda estavam em andamento. Mesmo assim, por não terem gerado condenação definitiva, não poderiam impedir o candidato.

Em seu voto, a relatora destacou que fere o princípio da presunção de inocência e contraria a jurisprudência do STJ e do STF a reprovação de candidato, ainda na fase de investigação social, por ter sido verificada a existência de inquérito policial ou de ação penal não transitada em julgado.

Quanto ao cadastro de inadimplentes, a magistrada reconheceu que já houve decisão em sentido contrário no STJ, mas votou para que as anotações não pudessem interferir na avaliação do candidato. Para ela, "se nem as ações penais em curso podem alicerçar o ato de eliminação em concurso público na fase de investigação social, mostra-se desprovido de razoabilidade e proporcionalidade permitir-se que essa medida possa ser tomada com base no registro do nome do candidato em cadastro de serviço de proteção ao crédito".

Transação penal não significa maus antece​​​dentes

A Quinta Turma, acompanhando o relator, ministro Felix Fischer, no RMS 28.851, entendeu que a transação penal homologada por fatos imputados ao candidato a concurso não é, por si só, capaz de gerar sua exclusão na fase de investigação social.

No caso analisado pelo órgão julgador, um aspirante ao cargo de agente penitenciário afirmou que, apesar de ter obtido êxito em todas as fases da disputa, foi reprovado na investigação social e criminal em virtude de transação penal homologada anteriormente, relativa a suposto cometimento de crime de baixo potencial ofensivo.

Ao proferir seu voto, o relator destacou que, entre os diversos efeitos da transação penal em benefício do acusado, como reconhecido pela doutrina, está a não imputação de reincidência nem de registro de maus antecedentes.

"A transação penal a que alude o artigo 76 da Lei 9.099/1995 não importa em condenação do autor do fato", declarou o magistrado, para quem "revela-se ilegal o ato administrativo que tem o recorrente como não recomendado em virtude tão somente de haver celebrado transação penal".

Apesar disso, Fischer lembrou que há independência entre as instâncias criminal e administrativa, de modo que a transação penal obtida pelo acusado não poderia ter o efeito automático de impedir a apuração do mesmo fato na esfera administrativa, nem a aplicação das penalidades correspondentes.

Falta de documentação obrigatória não é t​​olerada

No julgamento do  AgInt no RMS 63.700, a Primeira Turma manteve decisão monocrática do ministro Sérgio Kukina que negou provimento a recurso de candidato que deixou de entregar documentação obrigatória na fase de investigação social, implicando sua contraindicação nesta fase.

O candidato alegou que, após questionar sua desclassificação, obteve resposta que o induziu em erro e o impediu de esclarecer que os documentos em questão já tinham sido entregues.

Em seu voto, concordando com a fundamentação do tribunal de origem, Sérgio Kukina entendeu não haver ilegalidade ou abuso de poder na conduta da banca examinadora, pois ficou comprovado que o candidato deixou de apresentar a certidão dos cartórios de execução cível das cidades onde residia e onde havia residido nos últimos cinco anos, como exigido pelo edital.

"Ilegalidade haveria se, em manifesta violação da norma de regência, fosse o impetrante declarado aprovado, ou a ele se oferecesse a vedada dilação temporal para a apresentação dos documentos pessoais destinados a subsidiar a avaliação de idoneidade e conduta ilibada", afirmou o magistrado.

O ministro considerou que não fazia sentido o argumento do candidato sobre indução em erro, pois os critérios e parâmetros para comprovação de idoneidade e conduta ilibada (investigação social) foram clara e previamente estipulados.

"A eliminação do candidato, executada em estrita conformidade com a prévia e expressa previsão editalícia, não caracteriza ilegalidade nem abuso de poder", disse o relator.

Drogas na juventude, questão de razoabili​​dade

Ao analisar o AREsp 1.806.617, a Segunda Turma determinou a reintegração de candidato eliminado na fase de investigação social de concurso da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) porque havia usado drogas oito anos antes.

Segundo os autos, o candidato, ocupante do cargo de professor na rede pública, ao preencher formulário para o concurso da PMDF em 2019, relatou que foi usuário de drogas quando tinha 19 anos de idade e que não mais tinha esse hábito. Por isso, foi considerado "não recomendado" para assumir o posto de policial.

Na primeira instância, o juízo acolheu o pedido de reintegração, mas o TJDFT reformou a sentença por entender que a admissão de policial com histórico de dependência química está subordinada à discricionariedade da administração pública, de forma que o Judiciário não poderia rever o ato questionado, salvo em caso de ilegalidade.

Postura contraditória da administraçã​​​o pública

No STJ, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que a corte, ao examinar casos envolvendo a eliminação de candidatos na fase de investigação social para as carreiras policiais, entende que a sindicância de vida pregressa deve estar amparada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

"Impedir que o recorrente prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da PMDF, além de revelar uma postura contraditória da própria administração pública – que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos quadros do serviço público distrital –, acaba por lhe aplicar uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social", declarou o magistrado.

Quanto à tese de que o Judiciário não poderia rever o ato, o relator ressaltou que a discricionariedade conferida ao administrador não é imune ao controle do Poder Judiciário, notadamente diante dos atos que restringem direitos dos administrados, como a eliminação de concurso público, cabendo à Justiça reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo (competência, finalidade e forma), além da razoabilidade e da proporcionalidade.​

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26092021-Razoabilidade--proporcionalidade--presuncao-de-inocencia-a-investigacao-social-em-concurso--na-visao-do-STJ.aspx>. Acesso em 27.09.2021 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

RMS 60984RMS 47528RMS 30734RMS 28851AREsp 1806617RMS 63700

terça-feira, 3 de agosto de 2021

STJ - Dano a estação ecológica causado por construção pode ser absorvido pelo delito de edificação irregular

STJ - Dano a estação ecológica causado por construção pode ser absorvido pelo delito de edificação irregular

​​Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o delito de causar dano a unidade de conservação (artigo 40 da Lei 9.605/1998) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (artigo 64 da Lei 9.605/1998).

Aplicando este entendimento, o colegiado negou recurso especial do Ministério Público Federal (MPF) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, pelo princípio da consunção, entendeu ser possível a absorção do crime-meio dano ambiental pelo crime-fim edificação proibida.

A controvérsia teve origem na construção de uma edícula de alvenaria de 261m² dentro da área da Estação Ecológica de Carijós, em Florianópolis, sem autorização da Administração Pública. O MPF ofereceu denúncia contra o construtor, pleiteando sua condenação com base nos artigos 40 e 48 da Lei de Crimes Ambientais.

Proteção de espaços com relevância ambiental

O relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, explicou que as unidades de conservação não são o único espaço a receber tutela especial da legislação penal, pois a Lei 9.605/1998 tipifica, também, os danos ambientais causados em outras espécies de áreas, como as florestas de preservação permanente, as de domínio público, a Mata Atlântica, a vegetação fixadora de dunas e mangues e as praias.

"Na verdade, considerando a quantidade e diversidade de espaços protegidos pela Lei 9.605/1998, é mesmo difícil imaginar uma situação em que o delito do artigo 64 (na ação típica de construir em área não edificável por seu valor ecológico) não produza, também, danos sobre algum dos outros espaços referidos naquele diploma legislativo", afirmou.

O ministro apontou a dificuldade em definir o alcance destes tipos incriminadores, por causa do "emaranhado de regimes jurídicos de proteção de espaços com relevância ambiental, os quais não receberam do legislador um tratamento sistemático".

Absorção de um crime por outro

Todavia, frisou o magistrado, para avaliar a possibilidade de absorção de um crime por outro, o mais importante é verificar se o delito menor se encontra na cadeia causal do delito continente, como uma etapa do iter criminis - seja na preparação, consumação ou exaurimento do crime maior.

"Este raciocínio, ao contrário do que defende o órgão acusador, não é obstado pela diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente", explicou.

Segundo Ribeiro Dantas, a distinção entre os bens jurídicos tutelados pelos artigos 40 e 64 da Lei 9.605/1998 não é "tão intensa" como alega o MPF, já que o último dispositivo se refere, expressamente, à construção em espaços não edificáveis por sua especial relevância ecológica.

Construção em local não edificável

No caso julgado pelos ministros da Quinta Turma, Ribeiro Dantas ressaltou que o dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, absorvido pela edificação irregular.

Para o magistrado, o dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do que trata o artigo 64 da Lei 9.605/1998 (construção em solo não edificável). Dessa forma, se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível.

"De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva", concluiu o relator.

Leia o acórdão do REsp 1.925.717.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1925717

Disponível em:<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/03082021-Dano-a-estacao-ecologica-causado-por-construcao-pode-ser-absorvido-pelo-delito-de-edificacao-irregular-.aspx>. Acessado em 03.08.2021


domingo, 6 de junho de 2021

STJ - Terceira Seção define critérios para progressão penal de condenados com reincidência genérica - RITO REPETITIVOS!

Terceira Seção define critérios para progressão penal de condenados com reincidência genérica

RECURSO REPETITIVO

04/06/2021 07:00

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Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.084), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicação retroativa do patamar estabelecido no artigo 112, V, da Lei de Execução Penal – LEP (Lei 7.210/1984), com a redação dada pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), aos condenados por crime hediondo ou equiparado, sem resultado morte, que não sejam reincidentes em delito da mesma natureza.

O colegiado entendeu que, diante da ausência de previsão, no Pacote Anticrime, de parâmetros para a progressão de regime prisional dos condenados por crime hediondo ou equiparado que sejam reincidentes genéricos, deve ser considerado para eles o mesmo percentual de cumprimento de pena exigido dos sentenciados primários: 40%.

Como esse percentual é inferior ao estabelecido antes da vigência do Pacote Anticrime – portanto, mais benéfico para o réu –, os ministros entenderam também que a regra deve ser aplicada retroativamente aos condenados por crime hediondo, sejam primários ou reincidentes genéricos.

Lacuna legal

No mesmo julgamento, a Terceira Seção definiu que os condenados por crimes praticados com violência contra a pessoa ou grave ameaça, bem como por crimes hediondos ou equiparados com resultado morte, e que sejam reincidentes – mas não em crimes da mesma natureza –, têm direito à progressão de regime prisional a partir do cumprimento dos mesmos percentuais de pena exigidos daqueles que são primários.

Segundo o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, as três situações examinadas no julgamento "evidenciam a inexistência de previsão legal acerca de hipóteses que desafiam cotidianamente o trabalho desenvolvido pelas inúmeras varas de execução penal do país".

Ele explicou que o Pacote Anticrime promoveu profundas alterações nas normas da progressão de regime penal – entre elas, a revogação do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), segundo o qual os condenados por crime hediondo teriam direito ao benefício só após o cumprimento de dois quintos da pena, se fossem primários, ou de três quintos, no caso de reincidentes genéricos ou específicos.

Novos critérios

Com a mudança – afirmou o magistrado –, os parâmetros da progressão passaram a ser disciplinados exclusivamente pelo artigo 112 da LEP, que, na atual redação, estabelece condições diferentes conforme a natureza do delito (comum ou hediondo), a ocorrência ou não de violência, grave ameaça ou morte, e a primariedade, a reincidência genérica ou a reincidência específica do apenado.

Contudo, o relator ressaltou que a lei não estabeleceu quais seriam os patamares relativos aos reincidentes genéricos nas hipóteses de crime hediondo ou equiparado, de crime hediondo ou equiparado com resultado morte e, ainda, de crime não hediondo praticado com violência contra a pessoa ou grave ameaça.

Schietti observou que o inciso V do artigo 112 da LEP, por exemplo, fixa o patamar de 40% de cumprimento da pena para os condenados por crime hediondo e equiparado que sejam primários, ao passo que o inciso VII prevê que os reincidentes na prática de crime hediondo ou equiparado devem cumprir ao menos 60% da pena para ter direito à progressão – nada dizendo sobre a situação dos reincidentes genéricos.

Analogia

A partir do pressuposto segundo o qual não se admite no direito penal a analogia in malam partem (prejudicial ao réu), o ministro concluiu que devem ser aplicados aos reincidentes genéricos os patamares de progressão referentes aos sentenciados primários, pois, "ainda que não sejam primários, reincidentes específicos também não o são".

Dessa maneira, o colegiado estabeleceu que:

Ao sentenciado que cometeu crime com violência contra a pessoa ou grave ameaça, mas não é reincidente em delito da mesma natureza – portanto, primário ou reincidente genérico –, deve ser aplicado o patamar de 25% de cumprimento da pena, como prevê o inciso III do artigo 112 da LEP.

Do apenado que praticou crime hediondo ou equiparado, mas também não é reincidente em crime de igual natureza, deve ser exigido o cumprimento mínimo de 40% da pena, como estabelecido no inciso V do mesmo dispositivo legal.

Por fim, para o apenado que cometeu crime hediondo ou equiparado com resultado morte, mas, igualmente, é primário ou reincidente genérico, será observado o requisito do inciso VI, "a", do artigo 112 – ou seja, 50%.​

Leia o acórdão no REsp 1.910.240.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1910240REsp 1918338

Fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/04062021-Terceira-Secao-define-criterios-para-progressao-penal-de-condenados-com-reincidencia-generica.aspx>.



sexta-feira, 28 de maio de 2021

STJ - Sequestro de bens em âmbito penal prevalece sobre penhora decretada em juízo cível ou trabalhista

STJ - Sequestro de bens em âmbito penal prevalece sobre penhora decretada em juízo cível ou trabalhista

DECISÃO 

28/05/2021 07:00

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o sequestro de bem determinado em âmbito penal prevalece em relação à penhora do mesmo bem ordenada em processo não criminal, pois a medida, no primeiro caso, tem o objetivo de assegurar o interesse público.

Com esse entendimento, o colegiado declarou a competência do juízo penal para a prática de atos expropriatórios em relação a um veículo que havia sido apreendido durante a investigação de um caso de corrupção, mas acabou sendo penhorado pela Justiça do Trabalho.

"Considerando a natureza peculiar da medida assecuratória penal de sequestro – verificada a partir do interesse público (aquisição com proventos da infração penal) e do fato de que a expropriação ocorre na seara penal –, deve ser reconhecida a primazia da referida constrição frente àquela decretada por juízo cível ou trabalhista (penhora), sendo indiferente qual constrição foi decretada primeiro", disse o relator do conflito de competência, ministro Sebastião Reis Júnior.

Medidas constritivas

O ministro explicou que o sequestro é medida voltada para a retenção de bens móveis e imóveis do indiciado ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com proventos de crime, para que não se desfaça deles durante o curso da ação penal. O objetivo é assegurar a indenização da vítima ou impossibilitar que o agente fique com o lucro da atividade criminosa.

Segundo o magistrado, após o trânsito em julgado da ação penal e não havendo pedido de indenização, os proventos do delito são confiscados em favor da Fazenda Pública (artigo 133, parágrafo 1°, do Código de Processo Penal e artigo 91, "b", do Código Penal) e submetidos a alienação judicial ou transferidos diretamente ao ente público.

A hipoteca legal (artigo 134 do CPP) e o arresto (artigo 136 do CPP), por sua vez, são destinados à constrição de patrimônio lícito do acusado, a fim de que dele não se desfaça, garantindo a reparação do dano causado à vítima, ao final do processo.

Natureza distinta

De acordo com o relator, tais medidas assecuratórias penais têm natureza distinta: enquanto o sequestro ostenta um interesse público – retenção e confisco de bens adquiridos com proventos de infração –, o arresto e a hipoteca se relacionam a interesse privado – constrição do patrimônio lícito para fins de reparação de dano, sendo expropriado no juízo cível (artigo 143 do CPP).

Contudo, o ministro esclareceu que, caso haja a expropriação de bem sequestrado por juízo diverso do penal, como no caso, não deve ser declarada a nulidade do ato, mas sim revertida a quantia levantada na alienação em prol da constrição decretada pelo juízo penal.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):CC 175033

FONTE: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28052021-Sequestro-de-bens-em-ambito-penal-prevalece-sobre-penhora-decretada-em-juizo-civel-ou-trabalhista.aspx>. 

Ementa: Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=5&documento_sequencial=127929912&registro_numero=202002497663&peticao_numero=-1&publicacao_data=20210528&formato=PDF>.  

sexta-feira, 14 de maio de 2021

STJ/RITO DOS REPETITIVOS - Execução de sentença coletiva de consumo independe de filiação à entidade que atuou como substituta processual

Execução de sentença coletiva de consumo independe de filiação à entidade que atuou como substituta processual

 STJ - RITO REPETITIVOS

Nas ações civis públicas propostas por associação que atua como substituta processual de consumidores, têm legitimidade para liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à entidade autora.

O entendimento foi fixado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 948). Com a tese, poderão ter seguimento os recursos especiais e agravos em recurso especial cuja tramitação estava suspensa pelo colegiado.

"Não há como exigir dos consumidores a prévia associação como requisito para o reconhecimento da legitimidade para executar a sentença coletiva. Se o título já foi formado, com resultado útil, cabe ao consumidor dele se apropriar, exigindo seu cumprimento; é o tão aclamado transporte in utilibus da coisa julgada coletiva", afirmou o relator dos recursos repetitivos, ministro Raul Araújo.

Representação e substit​​uição

O ministro explicou que a ação coletiva originária apenas inicia a formação da relação jurídica obrigacional, fixando a certeza do dever de prestação e a figura do devedor. Assim, afirmou, somente com a posterior liquidação individual da sentença coletiva genérica é que se poderá estabelecer a relação jurídica em sua totalidade, identificando-se os credores e fixando-se os valores devidos.

Ele também destacou que a atuação das associações em processos coletivos pode ocorrer de duas maneiras: por representação processual (legitimação ordinária), nos termos do artigo 5º da Constituição; e por meio de ação coletiva substitutiva, quando a associação age por legitimação legal extraordinária, nos termos da Lei 7.347/1985 e, em especial, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso das ações coletivas por representação processual, o relator lembrou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a filiação é necessária para a legitimação posterior na execução de sentença – tese que, entretanto, não alcança a hipótese de substituição processual.

Autorizaç​​​ão dispensada

Além disso, Raul Araújo ressaltou que o CDC legitimou, para atuar judicialmente na defesa dos direitos dos consumidores, as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que tenham essa missão entre as suas finalidades institucionais – sendo dispensada, em tal caso, a autorização de assembleia e a relação dos associados.

Essa ação, afirmou o ministro, é proposta pela associação em nome próprio para a defesa dos interesses dos prejudicados ou de seus sucessores, o que caracteriza a substituição processual.

Segundo o magistrado, haveria pouca utilidade se a sentença coletiva proferida em ação civil pública manejada por associação que contasse com pequeno número de filiados tivesse efeito apenas para estes – situação que frustraria o espírito do CDC, que é facilitar a defesa judicial do consumidor e desafogar o Judiciário.

"Exigir na execução que o consumidor tenha prévia filiação, quiçá desde o protocolo da inicial, equivale a prescrever requisito não previsto em lei para o próprio manejo da ação civil pública", concluiu o ministro ao fixar a tese repetitiva.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1438263REsp 1362022

FONTE: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14052021-Execucao-de-sentenca-coletiva-de-consumo-independe-de-filiacao-a-entidade-que-atuou-como-substituta-processual.aspx>. 


quinta-feira, 13 de maio de 2021

STJ/RITO DOS REPETITIVOS - Código Florestal define faixa não edificável a partir de curso d’água em áreas urbanas, decide Primeira Seção

Código Florestal define faixa não edificável a partir de curso d’água em áreas urbanas, decide Primeira Seção

STJ -  RECURSO REPETITIVO

​​Em julgamento de recursos especiais repetitivos (Tema 1.010), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, firmou o entendimento de que o Código Florestal (Lei‎ ‎‎12.651/2012deve ser aplicado para a delimitação da extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água em áreas urbanas consolidadas.

Segundo o relator, ministro Benedito Gonçalves, a ‎definição‎ pela incidência do código ‎leva em consideração‎ ‎a‎ ‎melhor‎ ‎e‎ ‎mais‎ ‎eficaz‎ ‎proteção‎ ‎ao‎ ‎meio‎ ‎ambiente‎,‎ ‎como dispõe o‎ ‎artigo‎ ‎225‎ ‎da‎ ‎Constituição Federal,‎ observando o‎ ‎princípio‎ ‎do‎ ‎desenvolvimento‎ ‎sustentável‎ ‎(artigo‎ ‎170,‎ ‎VI)‎ ‎e‎ ‎as‎ ‎funções‎ ‎social‎ ‎e‎ ‎ecológica‎ ‎da‎ ‎propriedade.

A tese fixada no julgamento foi a seguinte: "Na vigência do novo Código Florestal (‎Lei‎ ‎‎12.651/2012), a ‎extensão‎ ‎não‎ ‎edificável‎ ‎nas Áreas de Preservação Permanente ‎(APPs) de‎ ‎qualquer‎ ‎curso‎ ‎d'água,‎ ‎perene‎ ‎ou‎ ‎intermitente,‎ ‎em‎ ‎trechos‎ ‎caracterizados‎ ‎como‎ ‎área‎ ‎urbana‎ ‎consolidada,‎ ‎deve‎ ‎respeitar‎ ‎o‎ ‎que‎ ‎disciplinado‎ ‎pelo‎ seu ‎artigo‎ ‎4º,‎ ‎caput,‎ ‎inciso‎ ‎I,‎ ‎alíneas‎ ‎'a',‎ '‎b',‎ '‎c',‎ '‎d'‎ ‎e‎ '‎e',‎ ‎a‎ ‎fim‎ ‎de‎ ‎assegurar a ‎mais‎ ‎ampla‎ garantia ‎ambiental‎ ‎a‎ ‎esses‎ ‎espaços‎ ‎territoriais ‎especialmente‎ ‎protegidos e, por conseguinte, à coletividade".

Áreas urbanas

O ministro Benedito Gonçalves lembrou que, antes da entrada em vigor do novo Código Florestal, o STJ pacificou a compreensão de que as normas do antigo código é que deveriam disciplinar a largura mínima dessas faixas marginais em meio urbano (REsp 1.518.490).

"Deve-se,‎ ‎portanto,‎ ‎manter‎ ‎o‎ ‎entendimento‎ ‎desta‎ ‎Corte‎ ‎Superior‎ ‎de‎ ‎que‎ ‎não‎ ‎se‎ ‎pode‎ ‎tratar‎ ‎a‎ ‎disciplina‎ ‎das‎ ‎faixas‎ ‎marginais‎ ‎dos‎ ‎cursos‎ ‎d'água‎ ‎em‎ ‎áreas‎ ‎urbanas‎ ‎somente‎ ‎pela‎ ‎visão‎ ‎do‎ direito‎ ‎urbanístico,‎ enxergando cada urbis de forma isolada, ‎pois‎ ‎as‎ ‎repercussões‎ ‎das‎ ‎intervenções‎ ‎antrópicas‎ ‎sobre‎ ‎essas‎ ‎áreas‎ ‎desbordam,‎ ‎quase‎ ‎sempre,‎ ‎do‎ ‎eixo‎ ‎local", observou.

Em seu voto, o relator considerou que o artigo 4ºcaput, inciso I, do novo código – ao prever medidas mínimas superiores para as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene ou intermitente, sendo especial e específica para o caso diante do previsto no artigo 4º, III, da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/1976) – deve reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos, que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e o urbano.

De acordo com o relator, tal entendimento não se altera pela superveniência da Lei 13.913/2019, que suprimiu a expressão "salvo maiores exigências da legislação específica" do inciso III do artigo 4º da Lei 6.766/1976.

Ampla proteção

Para o magistrado, pelo critério da especialidade, o artigo 4º do novo Código Florestal é o que garante a mais ampla proteção ao meio ambiente, em áreas urbana e rural, devendo, por isso, prevalecer.

O ministro acrescentou que a não aplicação da norma, que expressamente determina a incidência do novo Código Florestal também ao meio urbano, afronta o enunciado da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a decisão de órgão fracionário de tribunal que deixa de aplicar uma lei sem declarar sua inconstitucionalidade viola a cláusula de plenário.

"O fato de agora o inciso III-A do artigo 4º da Lei 6.766/1976 expressamente estabelecer, em caráter geral, a determinação do distanciamento de 'no mínimo' 15 metros apenas reforça a função de norma geral norteadora da menor distância que as faixas marginais, não edificáveis, devem manter dos cursos d'água, o que, por uma visão teleológica do sistema de proteção ambiental, não restringe a aplicação do artigo 4º, caput, da Lei 12.651/2012 às áreas urbanas consolidadas", afirmou Benedito Gonçalves.

Leia o acórdão no REsp 1.770.760.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1770760REsp 1770808REsp 1770967

FONTE: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/11052021-Codigo-Florestal-define-faixa-nao-edificavel-a-partir-de-curso-d%E2%80%99agua-em-areas-urbanas--decide-Primeira-Secao.aspx>.


domingo, 11 de abril de 2021

STJ define alcance da isenção tributária para portadores de doenças graves

STJ define alcance da isenção tributária para portadores de doenças graves

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A legislação beneficia com a isenção do Imposto de Renda pessoas acometidas por doenças graves, as quais, geralmente, necessitam de tratamentos de saúde ou do uso de medicamentos especiais. A Lei 7.713/1988 estabelece em seu artigo 6º, inciso XIV, que estão dispensados do pagamento do tributo os proventos de aposentadoria ou reforma de indivíduos acometidos por uma série de moléstias.

Segundo o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, a isenção fiscal concedida aos portadores de doença grave tem por objetivo "abrandar o impacto da carga tributária sobre a renda necessária à sua subsistência e sobre os custos inerentes ao tratamento da doença, legitimando um 'padrão de vida' o mais digno possível diante do estado de enfermidade" (REsp 1.507.230). 

Desde a​ edição da Lei 7.713​, em 1988, o texto do dispositivo que concede a isenção passou por várias alterações, até chegar à versão atual, de 2004. Ao longo desse tempo, a aplicação do benefício fez surgirem muitas dúvidas sobre o seu alcance. A lista de doenças é taxativa, ou é possível estender a isenção a pessoas com outros males? O benefício fiscal deve ser limitado aos aposentados, ou seria justo que abarcasse também os trabalhadores ativos? Caso a pessoa obtenha a cura para a doença, ela volta a pagar o imposto?

Todas essas questões aportaram no Judiciário e foram solucionadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive por meio da sistemática dos recursos especiais repetitivos, modalidade de julgamento voltada para as demandas de massa.

Rol t​​​axativo

Para o STJ, o rol de doenças previstas na Lei 7.713/1988 é taxativo, ou seja, apenas as pessoas portadoras das doenças ali mencionadas expressamente poderão ser contempladas com o direito à isenção do IR.

Em 2010, a Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.116.620, fixou a tese de que o conteúdo normativo do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/1988, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito ao conceder o benefício fiscal da isenção de IR apenas em favor dos aposentados portadores das seguintes doenças: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida.

Dessa forma, segundo o entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo (Tema 250), não são isentos do IR os proventos recebidos por aposentados portadores de moléstias graves não elencadas na lei.

Citando precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 233.652, o relator do caso julgado pelo STJ, ministro Luiz Fux (atualmente no STF), afirmou que o rol contido no dispositivo legal restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas.

"Revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo artigo 111, II, do Código Tributário Nacional", ressaltou o magistrado.

Só para ina​​​tivos

Dez anos após definir que é taxativo o rol de moléstias graves, a Primeira Seção voltou ao assunto para, também em julgamento de recursos especiais repetitivos (Tema 1.037), fixar a tese de que a isenção do IR prevista na Lei 7.713/1988 para os proventos de aposentadoria e reforma não é aplicável no caso de trabalhador com doença grave que esteja na ativa.

Por maioria de votos, o colegiado firmou a tese com base em jurisprudência consolidada do STJ no sentido da impossibilidade de isenção do IR para as pessoas em atividade. Assim como no caso da lista de doenças, a Primeira Seção considerou que, nos termos do Código Tributário Nacional, a legislação que disciplina isenções deve ser interpretada de forma literal.

"Como reza o artigo 111, inciso II, do CTN, a legislação que disponha sobre isenção tributária deve ser interpretada literalmente, não cabendo ao intérprete estender os efeitos da norma isentiva, por mais que entenda ser uma solução que traga maior justiça do ponto de vista social. Esse é um papel que cabe ao Poder Legislativo, e não ao Poder Judiciário", declarou o relator, ministro Og Fernandes.

O magistrado afirmou que o inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713/1988 se refere, de forma literal, aos proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço "e" os recebidos pelos portadores de moléstia profissional ou das doenças relacionadas no dispositivo.

Segundo Og Fernandes, a existência da partícula "e" no texto legal fez com que alguns intérpretes adotassem o entendimento de que a isenção foi concedida para os aposentados e também para os portadores de doenças, estivessem eles em atividade ou não.

O relator esclareceu, porém, que a partícula "e" significa que estão isentos os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os proventos percebidos pelos portadores de moléstia profissional.

Outras pro​​​vas

Conforme a Súmula 598 do STJ, é desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial do direito à isenção do IR, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.

No julgamento de um dos precedentes que originou a súmula, o AgRg no AREsp 81.149, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho (recentemente aposentado) explicou que o laudo pericial do serviço médico oficial é, sem dúvida, uma importante prova e merece toda a confiança e credibilidade.

Porém, tal laudo, no entender do magistrado, "não tem o condão de vincular o juiz, que, diante das demais provas produzidas nos autos, poderá concluir pela comprovação da moléstia grave".

Segundo ele, entendimento contrário levaria à conclusão de que ao Judiciário não haveria outro caminho senão a chancela do laudo produzido pela perícia oficial, o que não se coaduna com os princípios do contraditório e da ampla defesa. 

Sem s​​intomas

Já a Súmula 627 do STJ preceitua que o contribuinte portador de alguma das doenças mencionadas na lista faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do IR, não sendo exigível que demonstre a contemporaneidade dos sintomas ou a recidiva.

No julgamento do AgInt no REsp 1.713.224, o relator, ministro Benedito Gonçalves, afirmou que a jurisprudência pacífica do STJ considera que, para fins de concessão do benefício fiscal, não é necessário demonstrar a contemporaneidade dos sintomas ou a validade do laudo pericial. "A Primeira Seção desta corte recentemente editou a Súmula 627, que pacificou, por derradeiro, o entendimento ora exposto", declarou.

Em junho de 2020, a Primeira Turma decidiu (REsp 1.836.364) que o sucesso no tratamento de uma doença grave não afasta o direito à isenção de IR previsto na legislação.

Para o colegiado, na hipótese de contribuintes acometidos por doenças classificadas como graves – nos termos do artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 –, a isenção do IR não pode ser afastada pela falta de atualidade do quadro clínico que gerou o benefício, como estabelecido na Súmula 627 do STJ, segundo a qual a contemporaneidade dos sintomas não é requisito para o reconhecimento do direito.

Por unanimidade, o colegiado garantiu a isenção do IR a um aposentado que apresentou quadro de cardiopatia grave durante anos, mas obteve sucesso no tratamento da doença após cirurgia realizada em 2016.

"O referido benefício independe da presença, no momento de sua concessão ou fruição, dos sintomas da moléstia, pois é de conhecimento comum que determinados males de saúde exigem, da pessoa que os teve em algum momento de sua vida, a realização de gastos financeiros perenes – relacionados, por exemplo, a exames de controle ou à aquisição de medicamentos", afirmou o relator do recurso do contribuinte, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Na ação, o aposentado pediu o reconhecimento em definitivo da isenção e a restituição dos valores pagos dentro do prazo prescricional de cinco anos. O ministro Napoleão destacou que, apesar do sucesso no tratamento da cardiopatia, as informações do processo indicam que a doença, além de impor gastos adicionais, tem natureza reincidente – ou, pelo menos, risco de reincidência.

Ter​​mo inicial

Para o STJ, o termo inicial da isenção e da restituição dos valores recolhidos a título de IR sobre proventos de aposentadoria de portadores de moléstias graves deve ser a data em que foi comprovada a doença, ou seja, a data do diagnóstico médico, e não a da emissão do laudo oficial.

O entendimento foi reafirmado pela Segunda Turma em 2018, no julgamento do AREsp 1.156.742. Segundo a relatora, ministra Assusete Magalhães, é desnecessária, conforme precedentes do STJ, a realização de outras inspeções médicas periódicas, como condição para manter a isenção do IR já reconhecida para os portadores das moléstias graves.

Em outro caso analisado também pela Segunda Turma, referente a pleito de isenção do IR formulado por portador de doença caracterizada como cardiopatia grave, o colegiado afirmou que o benefício independe da contemporaneidade dos sintomas, sendo dispensada a exigência de reavaliação pericial periódica.

"A jurisprudência desta casa compreende que essa situação se enquadra naquela que permite o gozo da isenção pretendida do Imposto de Renda, tendo em vista o seu objetivo de amenizar os gastos do paciente aposentado com a continuidade de seu tratamento, facilitando-a, ainda que se o considere clinicamente 'curado' ou com a doença sob controle", disse o relator, ministro Mauro Campbell Marques, no RMS 57.058.

Previdência privad​​a

De relatoria do ministro Humberto Martins, o REsp 1.507.320 definiu serem isentos do pagamento do IR os valores recebidos de fundo de previdência privada a título de complementação da aposentadoria por pessoa acometida de uma das doenças listadas na Lei 7.713/1988. 

A decisão se baseou no entendimento de que o capital acumulado em plano de previdência privada tem natureza previdenciária, pois representa patrimônio destinado à geração de aposentadoria – e inclusive porque a previdência privada é tratada na seção sobre previdência social da Constituição Federal. Para Humberto Martins, isso legitima a isenção sobre a parcela complementar recebida pelos portadores de moléstias graves.

"O caráter previdenciário da aposentadoria privada encontra respaldo no próprio Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/1999), que estabelece em seu artigo 39, parágrafo 6º, a isenção sobre os valores decorrentes da complementação de aposentadoria", afirmou o relator.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1116620REsp 1814919REsp 1836091AREsp 81149REsp 1713224REsp 1836364AREsp 1156742RMS 57.058REsp 1507320Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/11042021-STJ-define-alcance-da-isencao-tributaria-para-portadores-de-doencas-graves.aspx


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