quinta-feira, 2 de maio de 2024

STF decide que gravação clandestina em ambiente privado não pode ser usada como prova em processo eleitoral

STF decide que gravação clandestina em ambiente  privado não pode ser usada como prova em processo eleitoral


  Tese fixada pelo Plenário deve ser aplicada ao demais casos, a partir de eleição de 2022.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, em processos eleitorais, é ilícita a prova obtida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial, ainda que produzida por um dos interlocutores, e sem o conhecimento dos demais. A exceção ocorre somente se a gravação for em local público, sem qualquer controle de acesso porque, nesse caso, não há violação à intimidade.

A decisão será aplicada a partir das eleições de 2022 e foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1040515, com repercussão geral reconhecida (Tema 979), na sessão plenária virtual encerrada em 26/4.

O recurso foi apresentado ao STF pelo Ministério Público Eleitoral contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que anulou a condenação de prefeito e vice-prefeito do Município de Pedrinhas (SE), por compra de votos nas eleições de 2012. O TSE reconheceu a nulidade das provas, pois as gravações que fundamentaram a condenação foram realizadas sem o conhecimento do outro interlocutor.

Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Dias Toffoli, no sentido de negar o recurso. Ele lembrou que o entendimento do TSE sobre a matéria vem oscilando, o que, a seu ver, reforça a necessidade de o Supremo firmar uma tese para assegurar a segurança jurídica no processo eleitoral.

Toffoli lembrou que, até o pleito de 2014, o TSE admitia esse tipo de prova apenas quando produzida em local público sem controle de acesso. Para o ministro, essa orientação é a que mais se harmoniza com as peculiaridades do processo eleitoral, em que os interesses e as conveniências partidárias, muitas vezes, se "sobrepõem à lisura de um processo eleitoral conduzido por debates propositivos e voltados para o interesse coletivo". Em seu entendimento, a gravação em espaço privado, em razão das acirradas disputas político-eleitorais, pode decorrer de arranjo prévio para a indução ou a instigação de um flagrante preparado. Nesse caso, haverá nulidade da prova, pois, além do induzimento, há a violação da intimidade e da privacidade.

Ele ressaltou, no entanto, que a gravação ambiental de segurança, utilizada de forma ostensiva em locais como bancos, centros e lojas comerciais, ou mesmo nas ruas, vem sendo admitida pelo TSE. Em tais hipóteses, segundo o relator, a própria natureza do local retira a expectativa de privacidade.

Divergência

Para a corrente minoritária, liderada pelo ministro Luís Roberto Barroso (presidente do STF), admite-se como prova do ilícito eleitoral a gravação feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem prévia autorização judicial, em ambiente público ou privado. Segundo ele, cabe ao julgador reconhecer a invalidade da gravação, se for constatado que o interlocutor foi induzido ou constrangido a praticar o ilícito. Seguiram esse entendimento os ministros Edson Fachin e Luiz Fux, e a ministra Cármen Lúcia.

Tese

Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: "No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais. - A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade".

RR/CR//AD/CV

Processo relacionado: RE 1040515


Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=534739&ori=1>. Acesso em 02.05.2024










STJ - Quinta Turma não aceita como provas prints de celular extraídos sem metodologia adequada

STJ - Quinta Turma não aceita como provas prints de celular extraídos sem metodologia adequada

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que são inadmissíveis no processo penal as provas obtidas de celular quando não forem adotados procedimentos para assegurar a idoneidade e a integridade dos dados extraídos. Segundo o colegiado, as provas digitais podem ser facilmente alteradas, inclusive de maneira imperceptível; portanto, demandam mais atenção e cuidado na custódia e no tratamento, sob pena de terem seu grau de confiabilidade diminuído ou até mesmo anulado.

Com base nesse entendimento, a turma considerou que os prints de WhatsApp obtidos pela polícia em um celular não poderiam ser usados como prova na investigação sobre uma organização criminosa com a qual o dono do aparelho estaria envolvido.

Após o juízo de primeiro grau concluir pela validade das provas telemáticas, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) confirmou a sentença que condenou o réu a quatro anos e um mês de prisão, sob o fundamento de que não foram apontados indícios de manipulação ou de outro problema que invalidasse os dados tirados do celular.

Material digital deve ser tratado mediante critérios bem definidos

Ao STJ, a defesa alegou que a extração de dados do aparelho foi feita pelo Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), quando deveria ter sido realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), cujo procedimento seria o único capaz de impedir manipulação e assegurar a legitimidade da prova.

O ministro Joel Ilan Paciornik, relator do habeas corpus, ressaltou que é indispensável que todas as fases do processo de obtenção das provas digitais sejam documentadas, cabendo à polícia, além da adequação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia, de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados.

Segundo o relator, o material digital de interesse da persecução penal deve ser tratado mediante critérios bem definidos, com indicação de quem foi responsável pelas fases de reconhecimento, coleta, acondicionamento, transporte e processamento, tudo formalizado em laudo produzido por perito, com esclarecimento sobre metodologia empregada e ferramentas eventualmente utilizadas.

Máquina de extração não conseguiu ler o celular

Contudo, o magistrado destacou que, no caso dos autos, a análise dos dados se deu em consulta direta ao celular, sem o uso de máquinas extratoras. O aparelho telefônico até foi encaminhado para extração via kit Cellebrite – aparelho de extração e análise de dados digitais –porém o pacote da máquina disponível na Polícia Civil do Rio Grande do Norte não tinha atualização ou capacidade para leitura do dispositivo.

Diante disso, o ministro apontou não ser possível conferir a idoneidade das provas extraídas pelo acesso direto ao celular apreendido, pois não havia registro de que os elementos inicialmente coletados fossem idênticos aos que corroboraram a condenação.

Na avaliação de Paciornik, a quebra da cadeia de custódia causou prejuízos evidentes e tornou a prova digital imprestável para o processo. Acompanhando o voto do relator, a Quinta Turma concedeu o habeas corpus e determinou que o juízo de primeira instância avalie se há outras provas capazes de sustentar a condenação.

Leia o acórdão no HC 828.054.

Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/02052024-Quinta-Turma-nao-aceita-como-provas-prints-de-celular-extraidos-sem-metodologia-adequada.aspx>. acesso em 02.05.2024

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):



 

quarta-feira, 13 de março de 2024

STJ - Em execução civil, juízo pode inscrever devedor na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens

Em execução civil, juízo pode inscrever devedor na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em uma execução civil, o juízo pode determinar a busca e a decretação da indisponibilidade de imóveis da parte executada por meio do Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB). A medida, porém, só deve ser adotada quando forem esgotadas as tentativas de levar a execução adiante pelos meios convencionais – os chamados meios executivos típicos.

A CNIB reúne informações sobre ordens de indisponibilidade de bens, decretadas pelo Judiciário ou por autoridades administrativas, que atingem o patrimônio imobiliário de pessoas físicas e jurídicas.

O recurso analisado pelo colegiado foi interposto por um banco que, em ação de execução contra uma indústria de calçados, teve negado na primeira instância o seu pedido para que fosse repetida a busca de bens da executada em sistemas informatizados.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) atendeu parcialmente o pedido do banco, facultando acesso aos sistemas BacenJud e Renajud (para busca de aplicações financeiras e veículos), mas o negou em relação à CNIB, ao fundamento de que não havia evidência de fraudes ou de lavagem de dinheiro no caso.

Em recurso especial dirigido ao STJ, o banco insistiu em que é possível inscrever o devedor executado na CNIB com base no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), que autoriza a adoção de medidas executivas atípicas.

Medidas de execução atípicas são constitucionais, mas subsidiárias

Ao dar provimento ao recurso, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, citou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou a constitucionalidade da aplicação de medidas de execução atípicas previstas no artigo 139 do CPC.

O ministro considerou que o uso da CNIB, bem como de outras medidas executórias atípicas, é um importante instrumento para viabilizar o cumprimento de obrigações na execução, mas ressalvou que tais medidas devem ser empregadas apenas subsidiariamente, depois de esgotados os meios de execução típicos.

De acordo com o relator, a CNIB foi criada para dar mais segurança jurídica aos cidadãos nas transações imobiliárias, já que permite ao cartório fazer consultas e informar ao comprador do imóvel, se for o caso, sobre a existência de indisponibilidade e os riscos associados ao negócio.

"A adoção da CNIB atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como não viola o princípio da menor onerosidade do devedor, pois a existência de anotação não impede a lavratura de escritura pública representativa do negócio jurídico relativo à propriedade ou outro direito real sobre imóvel, exercendo o papel de instrumento de publicidade do ato de indisponibilidade", afirmou Bellizze.

Leia o acórdão no REsp 1.963.178.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1963178

Disponíve em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/12032024-Em-execucao-civil--juizo-pode-inscrever-devedor-na-Central-Nacional-de-Indisponibilidade-de-Bens.aspx>. Acesso em 13.03.2024



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

STJ - Validade e eficácia da procuração Ad Judicia - Excepcionalidade - instrumento atualizado, exigência fundamentação concreta.

Curto intervalo entre data da procuração e ajuizamento da ação não justifica exigência de novo instrumento

 Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o transcurso de alguns meses entre a assinatura da procuração ad judicia e o ajuizamento da ação não justifica, apenas por esse motivo, que o juízo aplique o poder geral de cautela e exija a juntada de instrumento atualizado, sob pena de indeferimento da petição inicial.

"A exigência de uma nova procuração deve priorizar a parte, servindo de proteção aos seus interesses. Por isso, tal exigência quando feita de forma indiscriminada e sem a indicação dos motivos concretos que ensejam a apresentação do documento atualizado, em desconsideração do já apresentado, torna-se mais lesiva à parte do que protetiva, pois configura verdadeiro entrave ao seu acesso à jurisdição", declarou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

No caso dos autos, uma mulher ajuizou ação contra um banco sob a alegação de que recebeu cobrança indevida da instituição. Em primeiro grau, o juízo de primeira instância observou que a procuração e a declaração de hipossuficiência que acompanhavam a petição inicial haviam sido assinadas cinco meses antes da data da propositura da ação e, por isso, determinou a juntada dos documentos atualizados em até 15 dias, sob pena de indeferimento da inicial.

Transcorrido o prazo sem o atendimento da determinação judicial, foi proferida sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito, com base no artigo 485, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC). O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) manteve o indeferimento da petição inicial.

Legislação não impôs prazo máximo para a validade e eficácia da procuração

A ministra Nancy Andrighi explicou que a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença, consagrando a ideia de que, uma vez outorgada, não há necessidade de se exigir sucessivamente novas procurações ao longo da ação.

Segundo a ministra, o Código Civil corrobora a conclusão de que, enquanto não extinta, a procuração permanece válida. Nos termos do artigo 682 do código, são causas de extinção do mandato a revogação e a renúncia, a morte ou interdição de uma das partes, a mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para exercê-los, além do término do prazo ou a conclusão do negócio.

A procuração ad judicia consiste em um "mandato firmado entre a parte e o advogado, e o ordenamento jurídico não impôs um prazo máximo para a sua validade e eficácia, de modo que, se tal providência não for pactuada entre as partes, tratar-se-á de um mandato por prazo indeterminado. Desse modo, a regra é que a procuração outorgada manterá sua validade até que sobrevenha a sua revogação ou outra causa de extinção", afirmou.

Juízo deve apresentar fundamentação concreta ao determinar juntada de nova procuração

Por outro lado, Nancy Andrighi destacou que o STJ já reconheceu a possibilidade de a Justiça exigir, em hipóteses excepcionais, que a parte autora apresente procuração atualizada (a exemplo do REsp 902.010). Entretanto, a ministra ponderou que não se trata de uma autorização genérica para que os juízes possam exigir, de forma indiscriminada, procurações contemporâneas à prática dos atos, sendo exigida a análise das peculiaridades de cada caso.          

A relatora ressaltou que determinar a juntada uma nova procuração é uma exceção à regra geral, por força do poder geral de cautela, de modo que a sua aplicação exige fundamentação idônea por parte do juízo, o qual deve delimitar as circunstâncias específicas que justificam a determinação.

Para Nancy Andrighi, admitir tal providência sem qualquer fundamentação concreta acabaria por, na tentativa de coibir suposto abuso do advogado e proteger a parte, chancelar uma flexibilização indevida do direito fundamental de acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal).

"Sob esse enfoque, o mero transcurso de alguns meses, como no caso dos autos, entre a data da assinatura da procuração ad judicia e do ajuizamento da ação não justifica, por si só, a aplicação excepcional do poder geral de cautela pelo juiz para exigir a juntada de nova procuração atualizada, tampouco consiste em irregularidade a ensejar o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo, considerando que a lei não prevê prazo máximo de validade ou eficácia do mandato", concluiu ao dar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 2.084.166.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2084166

fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/21022024-Curto-intervalo-entre-data-da-procuracao-e-ajuizamento-da-acao-nao-justifica-exigencia-de-novo-instrumento.aspx>. Acesso em 21.02.2024


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Um fato, diversas consequências: a independência e as implicações entre as esferas civil, penal e administrativa, segundo o STJ

Um fato, diversas consequências: a independência e as implicações entre as esferas civil, penal e administrativa

A legislação brasileira prevê que a mesma conduta ilícita pode gerar consequências diversas, em diferentes instâncias da Justiça. Se, por exemplo, um servidor público comete um ato considerado crime durante o expediente, ele poderá ser processado e condenado em três esferas diferentes: penal (para apuração do crime), civil (caso a vítima reclame uma indenização) e administrativa (para exame da sanção aplicável no serviço público).

Em regra, essas instâncias funcionam de forma independente e podem adotar decisões distintas, sem que a eventual condenação em mais de uma delas configure indevida punição pelo mesmo fato, o chamado princípio do non bis in idem. Entretanto, a própria legislação – em especial o Código Civil, o Código de Processo Penal e a Lei 8.112/1990 – prevê hipóteses em que há implicações mútuas e possíveis conexões entre o andamento e o resultado dessas ações.

Muitas controvérsias sobre a correlação entre instâncias decisórias distintas acabam sendo analisadas pelo Judiciário, o que levou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a adotar posições importantes em diversos desses debates.

Indenização civil pode ser fundamentada em condenação criminal sem trânsito em julgado

A Terceira Turma do STJ decidiu que o reconhecimento da prática de um crime e a identificação do seu autor em sentença penal condenatória, ainda que o processo não tenha transitado em julgado, podem fundamentar a condenação em ação civil de reparação.

Após seu filho ser vítima de homicídio, uma mulher ajuizou ação de danos morais contra o acusado, e o juízo cível fixou a indenização em R$ 100 mil. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e julgou o pedido improcedente com base na controvérsia sobre os fatos, pois, além de não haver testemunhas, o réu sempre alegou legítima defesa e indicou um comportamento agressivo por parte da vítima.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do REsp 1.829.682, observou que o artigo 935 do Código Civil adotou o sistema da independência entre as esferas civil e criminal, mas tal independência é relativa: uma vez reconhecida a existência do fato e da autoria no juízo criminal, essas questões não poderão mais ser analisadas pelo juízo cível.

O relator explicou que, enquanto o dever de indenizar é incontestável diante de uma sentença condenatória com trânsito em julgado, nas hipóteses de sentença absolutória fundada em inexistência do fato ou negativa de autoria, não há obrigação de indenização. Contudo, ele apontou que o caso dos autos não se encaixava em nenhuma dessas situações, já que a sentença condenatória ainda não era definitiva. Assim, era preciso avaliar os elementos de prova para medir a responsabilidade do réu pela reparação do dano.

O ministro ressaltou que, no caso em questão, não se poderia negar a existência do dano sofrido pela mãe nem a acentuada reprovabilidade da conduta do réu. Mesmo que a vítima tenha demonstrado comportamento agressivo e tenha havido luta corporal, conforme sustentado pela defesa, o ministro comentou que esses elementos não afastam a obrigação de indenizar, "especialmente quando todas as circunstâncias relacionadas ao crime foram minuciosamente examinadas no tribunal criminal, resultando em sua condenação".

No entanto, levando em conta a agressividade da vítima, especialmente nos atos praticados contra a filha e outros familiares do réu, a Terceira Turma determinou que a indenização fosse reduzida para R$ 50 mil.

Código Civil assegura que prescrição não começa a fluir antes do fim da ação penal

Em 2022, ao julgar um recurso especial em segredo de justiça, a Terceira Turma reafirmou o entendimento de que, quando a ação civil se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, o Código Civil de 2002 (CC/2002) assegura que não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, independentemente do resultado da ação na esfera penal.

Uma mulher de 22 anos ajuizou ação de indenização por danos morais contra um familiar, alegando ter sido vítima de ameaças e abuso sexual praticados por ele em 2001, quando ela tinha apenas sete anos de idade. No recurso ao STJ, o acusado alegou a ocorrência da prescrição da ação, afirmando não haver prejudicialidade entre as esferas civil e criminal, pois o artigo 200 do CC/2002 somente poderia ser aplicado se a ação penal tivesse sido proposta regularmente, mas, no caso, teria sido reconhecida a ilegitimidade ativa do Ministério Público na ação criminal.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, enfatizou o artigo 200 do CC, que aborda uma causa especial de suspensão da prescrição, somente deve ser aplicado quando o julgamento da ação penal tem o potencial de influenciar substancialmente o resultado do processo civil. Segundo ela, isso é crucial para evitar soluções contraditórias entre as esferas penal e civil, especialmente quando a resolução do processo penal é determinante para o desfecho do processo civil.

"Por isso, permite-se à vítima aguardar a solução da ação penal para apenas depois ajuizar a demanda indenizatória na esfera civil. Tal entendimento prestigia a boa-fé objetiva, impedindo que o prazo prescricional para deduzir a pretensão reparatória se inicie previamente à apuração definitiva do fato no juízo criminal, criando uma espécie legal de actio nata", declarou.

Por fim, a ministra esclareceu que, conforme a jurisprudência do STJ, o artigo 200 do CC/2002 incidirá independentemente do resultado alcançado na esfera criminal. "Na hipótese dos autos, houve a propositura de ação penal, na qual foi declarada a ilegitimidade ativa do Ministério Público em relação a um dos delitos, e o réu foi absolvido do outro. Tais circunstâncias, todavia, não afastam a incidência do artigo 200 do CC/2002, remanescendo hígida a pretensão", concluiu.

Prescrição na ação penal não impede andamento de ação indenizatória no juízo cível

No julgamento do REsp 1.802.170, a Terceira Turma entendeu que a prescrição da ação penal não afasta o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória por meio de ação civil ex delicto (ação movida pela vítima na Justiça cível para ser indenizada pelo dano decorrente do crime).

Seis anos depois de sofrer agressões físicas, um homem ajuizou a ação civil ex delicto contra seus agressores. Entretanto, após o juízo de primeiro grau condenar os agressores por lesão corporal grave, a pena dos réus foi extinta pela prescrição retroativa. Os agressores, então, interpuseram recurso especial no STJ alegando que a ação indenizatória só poderia ter sido ajuizada se houvesse condenação criminal transitada em julgado. Sustentaram ainda que a pretensão reparatória estaria prescrita.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, ponderou que a prescrição da pretensão punitiva do Estado impede apenas a formação do título executivo judicial na esfera criminal, mas não afeta o exercício da pretensão indenizatória no juízo cível.

Segundo a ministra, a legislação brasileira estabelece uma relativa autonomia entre as esferas civil e penal. Ela explicou que aqueles que desejam buscar compensação por danos decorrentes de um delito têm a opção de ingressar com ação de indenização no âmbito civil ou aguardar o desfecho do processo penal, podendo, somente após isso, liquidar ou executar o título judicial resultante de uma eventual sentença penal condenatória transitada em julgado.

"A ação civil ex delicto é, portanto, a ação ajuizada pela vítima, na esfera civil, para obter a indenização dos danos – materiais e/ou morais – sofridos em virtude da prática de uma infração penal; é, pois, a ação cuja pretensão se vincula à ocorrência de um fato delituoso que causou danos, ainda que tal fato e sua autoria não tenham sido definitivamente apurados no juízo criminal", declarou.

Juiz pode fixar valor mínimo de dano moral em sentença penal condenatória

Para a Sexta Turma, o juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pelo crime, pode considerar também os danos morais, e não só os materiais – desde que fundamente essa opção.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) havia decidido que a condenação à reparação mínima prevista no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP) diz respeito apenas aos prejuízos materiais demonstrados nos autos, sem envolver o dano moral.

Ao julgar o REsp 1.585.684, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora, afirmou que, com o objetivo de dar maior efetividade ao direito da vítima em ver ressarcido o dano sofrido, a Lei 11.719/2008 alterou o CPP para dar ao magistrado penal o poder de fixar um valor mínimo para a reparação civil do dano causado pelo crime, "sem prejuízo da apuração do dano efetivamente sofrido pelo ofendido na esfera civil".

"Dessa forma, junto com a sentença penal, haverá uma sentença civil líquida, e mesmo que limitada, estará apta a ser executada. E quando se fala em sentença civil, em que se apura o valor do prejuízo causado a outrem, vale lembrar que, além do prejuízo material, também deve ser observado o dano moral que a conduta ilícita ocasionou", declarou a ministra.

Absolvição na ação de improbidade repercute no trancamento do processo penal

A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da falta de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal. Com esse entendimento, ao julgar o RHC 173.448, a Quinta Turma deu provimento a um recurso em habeas corpus e trancou a ação penal contra uma empresária acusada de integrar suposto esquema de desvio de verbas públicas no governo do Distrito Federal.

A empresária enfrentou acusações de corrupção ativa e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Caixa de Pandora. Entretanto, com base na subsequente absolvição na ação de improbidade, movida em razão dos mesmos eventos, a defesa da empresária interpôs um habeas corpus, o qual foi denegado pelo TJDFT.

Ao STJ, a defesa sustentou que, diante da absolvição da empresária na ação de improbidade ajuizada pelos mesmos fatos, a ação penal deveria ter sido trancada, pois não haveria justa causa para a persecução penal.

O relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, observou que não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, em se tratando do mesmo fato. "Não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível", afirmou.

O magistrado ponderou que, apesar de a absolvição civil não autorizar o encerramento da ação penal, existem fundamentos que não podem ser ignorados na análise do juízo criminal. Para o ministro, no caso em questão, a ausência de dolo e de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para a persecução penal. "Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite", concluiu.

Absolvição penal por falta de prova não vincula o juízo cível no julgamento de ação reparatória

Em outro julgamento relevante da Terceira Turma, o REsp 1.117.131, foi definido que a sentença penal absolutória, quando fundamentada na falta de provas, não vincula o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato.

No caso, uma mulher ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o homem que atropelou e matou seu esposo. A ação foi julgada procedente, a fim de condenar o acusado ao pagamento de pensão mensal e indenização por danos morais. No mesmo período, uma ação penal pelo mesmo fato também esteve em andamento, na qual o juízo – segundo o acusado – teria reconhecido a responsabilidade exclusiva da vítima, o que resultou na absolvição.

Tendo em vista a essa decisão absolutória, o homem apresentou uma objeção de pré-executividade no processo de indenização em andamento no juízo cível. Ele solicitou a extinção do processo devido à falta de liquidez e certeza do título judicial que estava sendo executado. As instâncias ordinárias, contudo, rejeitaram a objeção.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que a absolvição no juízo criminal não exclui automaticamente a possibilidade de condenação no cível. Segundo a ministra, o juízo cível é menos rigoroso do que o criminal no que diz respeito aos requisitos da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes em ambas as esferas.

A relatora ressaltou que, apesar de o recorrente afirmar que a absolvição no juízo penal ocorreu por culpa exclusiva da própria vítima, a decisão foi proferida por falta de provas, de maneira que não impede a indenização pelo dano civil.

Nancy Andrighi explicou que a ação em que se discute a reparação civil somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória estar fundamentada na inexistência do fato, na negativa de autoria ou em alguma excludente de ilicitude. "A decisão absolutória não pode obstar a execução da decisão proferida na ação civil proposta em face do recorrente, pois não ocorreu declaração de inexistência material do acidente que vitimou o esposo da autora da ação de indenização", disse.

Membro do MP acusado de falta administrativa também prevista como crime

Já no julgamento do REsp 1.535.222, a Segunda Turma estabeleceu que, na hipótese de membro de Ministério Público estadual praticar falta administrativa também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal.

O ministro Og Fernandes, relator, ponderou que, embora as instâncias civil, administrativa e penal sejam independentes, e a vinculação automática só exista quando, na área penal, se reconhece a negativa do fato ou da autoria, o regime jurídico dos membros do MP tem uma particularidade: a ação civil para decretação da perda do cargo só pode ser proposta depois de transitada em julgado a sentença penal, quando houver a prática de crime incompatível com o exercício do cargo.

O magistrado ainda ressaltou que a garantia dada aos membros do MP de não poderem perder o cargo senão por meio de ação civil própria, posterior à sentença criminal transitada em julgado, não pode se transformar em um obstáculo para a punição justa e adequada.

"Pensar o contrário seria admitir a possibilidade de que a ação civil pública para perda do cargo sempre ficaria no aguardo de que a ação criminal fosse rápida e atingisse o trânsito em julgado, antes que o lapso prescricional incidisse no caso. Uma interpretação nesse patamar, além de contraditória, porquanto levaria à conclusão de que, mesmo impedindo de ingressar com uma demanda, ainda assim haveria um prazo prescricional correndo contra si, desborda de qualquer lógica jurídica. É dizer: prescrição somente ocorre quando alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo no tempo oportuno; não quando deixou de agir ex lege (por força de lei)", concluiu.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1829682REsp 1802170REsp 1585684RHC 173448REsp 1117131REsp 1535222


Fonte: Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/18022024-Um-fato--diversas-consequencias-a-independencia-e-as-implicacoes-entre-as-esferas-civil--penal-e-administrativa.aspx>. Acesso  em 19.02.2024


 

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